conto: Um adolescente, tarado por manguita e pela dona do pé de manguita, vizinha de quintal. Um dia Glauce, a vizinha, sabendo que ele estava só, entra na casa procurando por Vanda, irmã dele.
Havia no nosso quintal todo tipo de manga, mas a que a gente
mais desejava, pelo menos eu, era a do vizinho. Uma árvore que se erguia
frondosa, sombreava o quintal e o resto da vida. Parecia botar suas manguitas
de fora em pontinhos amarelos e rosas.
Ainda era de se acrescentar: com o apetecimento que oferecia
a garota da casa, de cabelos cacheados e fartura de coxas nos vestidos curtos
que usava.
- Sobram pernas nesses vestidos que essa garota costuma usar,
colhia, escondido, dos comentários maldosos ouvidos no Café que sua mãe, boleira, tocava na parte lateral da casa, quando
ela passava perto sumindo lá para dentro.
Ficava em divagações
com a mancha rosa na fruta pedindo para ser mordida. Disputadíssima, estava
claro.
- Ela está quase de vez,
dizia na ânsia da permuta, passando a manga rosa para as mãos de Preto, o
vizinho parceiro, e recebendo dele as
duas tão almejadas manguitas maduras, que iam ser abatidas num só golpe de boca
de um adolescente campeão de saúde e viril.
Negócio feito por cima do muro. Só uma vez alguém comentou:
- Você é besta: manga-rosa vale muito mais que duas
manguitas.
Não entendiam. Aliás, ninguém. Mas bem que devia receber naquela troca era Glauce, a irmã, com aquelas duas toras de coxas morenas. Isso sim. Mordia-se a manguita no rosado bico e puxava-se o doce nos fiapos entre os dentes. E não adiantava nada - com pouco aparecia a imagem da menina travessa com seu vestido colado ao corpo. Aí, após chupadelas, entravam os pelos penteados da buceta de Glauce .
A época das manguitas se avizinhava com essas primeiras
frutas, mas as mangas rosas tiravam onda de difícil e demoravam. Os passos de
desconfiada de seriema de Glauce ignoravam esse desencontro de produção
agrícola, entrando em casa, a pretexto de fazer trabalho escolar com minha
irmã.
- Vanda, eu gritava lá para dentro às vezes, Glauce está
chamando! Vamos sentar, Gluauce, dizia apontando o sofá, com o
olho nas bolas e barra do vestido da garota.
Enquanto isso, o rádio de pilha da casa de Glauce,
posicionado no quintal, na sombra do pé de mangueira, retransmitia num alvoroço
matinal o programa “Belmiro é o espetáculo”, da Rádio Inconfidência. Mais tarde
era o papagaio que iria entrar em ação: - Ô Preto. ... Preeeto...
Preto, irmão de Glauce, era meu colega de ginásio, de estudar
e tocar juntos alguns acordes de violão, mais umas duas canções. Só isso. O
resto era o turuntuntuntumtun de iniciantes.
Por influência dos gibis e das fotonovelas que líamos, a
gente em dupla fazia no caderno umas “fotonovelas”, com texto meu e desenhos
caprichados de Pretinho. Dava gosto de ver os desenhos em quadrinhos. Curtia no
meu quarto, entre pausas de manuseios dos assuntos de aula, até me envolver no sono.
Dia seguinte, às cinco, era acordado para a Educação Física.
O sinal combinado era o barulho que fazia no vitrô do meu quarto uma vara de
anzol, lá do outro lado: “Chap-chap”. Se bem que mais elegante, naquele mundo
ainda de sonhos, seria despertar com Glauce tentando enfiar aquelas pernonas
quentes entre as minhas coxas e me dizendo no ouvido:
- Acorde, menino, que não tem Educação Física hoje não.
E acontecia de não
haver mesmo, para ficarmos às sós, numa boa. Seria feriado ou então o professor,
solteiro, acordaria de ressaca.
Guardava a impressão de que o dia não se iniciava sem o
alardeio do radinho de pilha da mãe de Glauce. Não pingava um pessoal de costume na calçada para
o Café da manhã, crianças não passavam para escola. Não encaixava normalidade
nas coisas, mas uma idéia de fim de mundo ainda com final de feira. Tudo
acabado e gente perdida, sem ermo, numa imensidão de mar oceano. Cada pessoa
encontrada você olhava como se fosse última vez, com despedida de adeuses e
lembrança acelerada de pequenos detalhes realizados no tempo de presteza.
Aproveitava esse
entrecho para últimas ações minhas e de Glauce, com aquelas duas alças de
vestido escapando em sistema de revezamento. Caía e levantava. Na verdade, essa
questão do vestido de Glauce não era propriamente Glauce, antes era mais de
formato de corpo. Que era, com olhos de exagero, num estilo sob medida. Muito
queixo caído, muita babação. Mas de uma cruzada de perna de Glauce (um
escândalo) teria como se esquivar?! Quantas vezes não tivera que correr até o
banheiro para amansar o bezerro? Ufa!
Penso em Glauce com tristeza, pela ausência de seu rosto, só
coxas e bumbum. Era uma garota que sobrava corpo sob medida, com as alças de
vestidos caindo em mantida decência no traje. Parecia não, com certeza ela veio
para ser uma espécie de fetiche erótico ou algo assim. Nesse período de
puberdade despertava toda uma geração ou era só eu porque estava ali de perto
vigilante, como quem espera a chegada do envermelhecido da pontinha da manguita?
O certo, porém, é que por demais marcou minha vida de
adolescente um desses dias, como um dia atrás de outro, e aí é que completava esse
bordado: até o radinho de pilha da mãe de Glauce tinha feito sua vez tocando uma
canção de Raul Seixas, em que ele se declarava feliz por ter conseguido comprar
um corcel 73; o papagaio já tinha grasnado o nome de Preto duas vezes, e as
crianças cuidavam de ir para a escola,
tecendo a manhã pelas calçadas em frente; quando deparei com uns passinhos de
seriema com as duas bolas ajustadinhas falando com voz de formiga Vanda! Vanda!, enquanto o chão ia sendo forrado
do açúcar que caía da garota, que se esvaia em tesão e eu ali circunspecto e firme
nos meus doze anos, pensei e nem quis mais pensar.
Abracei por trás a garota, que me escapou frouxamente quando
aos seus gritinhos elevou-se por instinto de socorro a voz de irmão, lá embaixo e do outro
lado:
- Glauce!