domingo, 13 de novembro de 2022

Da Lista

 

 

Da lista, que se elaborava como brincadeira de calouros, naquele ano de 1982,  só faltava Dália, uma paquera burguesa. Era de beleza clássica, inteligente, que parecia guardar escrito na testa a palavra. Descobria-se nas notas que tirava nas provas. Ficava sentadinha em dupla com colega, igualmente graúda mas do tipo magra, comportamento que ate inspiravam conversas com insinuações:

- Ali vai ser difícil. Elas não são sapatões?

Eram tranqüilas, do tipo “cabeças feitas”, superiores, e isso era interpretado como burguesismo. Que fosse! Iria experimentar. Começava por colocações procedentes, que fazia e que coincidiam com as dela. Até que chegaram a termo de uma paquera, mas no rito ditado por ela. Ficava assim: assumiram um namorico, de leve, movido pelas afinidades intelectuais e sua estampa de garoto arrumado para o papel. Tanto ele servia que a pretensão parecia pro forma para o caso. Até que, nas despedidas,  fora apanhada de volta do hotel meridian, em que ela trabalhava com o inglês que trouxera dos Estados Unidos.  Daí o avanço delas em comportamento e estudo. Chamou-a para os garros, no playgraund.

- Não fica  de grude como os outros casais. Reservada.

Um dia, voltando do trabalho, rolava no som do carro música nova de sucesso.

 - Acho essa música de Roberto Carlos linda! - comentava ela apoiada em seu ombro.

Quando eu estou aqui

Eu sinto este momento lindo.

Notava que ela o queria mais como namorado que namorar propriamente, queixava-se para o  colega.

- Ela gosta de você, Cara. Porque ela é de outro nível. Claro que não vai ficar nessa de grude.

            Num passeio pela orla, com a coleguinha Lena de companheira, via-se numa situação constrangedora.  A colega se entusiasmou e, quando viu suas mãos entrelaçadas com as de Dália, acabou bebendo além da conta. As mãos se davam por debaixo da mesa,  de maneira voluptuosa, num trato íntimo de antigo entendimento. Aí tiveram que assumir o relacionamento e movimentar na condução de Lena, chorosa,  para casa. Como se fossem eles uns traidores. Ninguém culpado de pensamentos errados de Lena. Mas supor que havia adrede  caso de Gustavo com Dália...

Num namoro na linha do pro forma, na pilastra do prédio dela, ele a surpreendeu com sua excitação de fúria adolescente, batendo firme nas coxas atracadas. Mas não foi isso o motivo do término por ela, que retornou logo depois para encerrar legal, sem alardeios, sem danos. Porreta,  da parte dela.

 


sábado, 12 de novembro de 2022

A libélula

 

 

Como uma libélula, em vôo de galinha, o garoto saiu por aí atrás de um besouro morrinhento, estilo vestiu-uma-camisa-listrada-e-saiu- por- aí. Guiava-se na base do custe o que custar mas acabou deparando com uma moça velha, no dizer da localidade, que muito modificaria seu propósito. Moça que passou da idade de casar. O dobro da idade dele. Ele que era um terceiranista do curso de Letras, pronto para voar,  naquele início dos anos 80.

         Gustavo, cabelo pedindo corte, barba por fazer, bolsa a tiracolo, num estilo universitário. Apresentaram Gustavo a essa moça branca e sozinha. Não, com o charme de um cigarro Carlton entre dedos. Camiseta Hering, cabelos castanhos encobrindo o detalhe do brinquinho,  lábios com discreto batom,  e com certeza algum dinheiro amoitado na bolsa, como uma mulher na esfera de liberada. Ela se mostrava uma fumante habilidosa

         “Ao menos um ruge, para encarar. O nome dela é Ana” – alguém na apresentação lembrava quando Gustavo se acercou como interessado.

Dois beijinhos no rosto de feição agradável e mais alguns esclarecimentos, encaixou-se em dupla com a irmã de um dos poetas do livro de coletânea lançado naquela noite literária do ano de 1981.  Apenas um motivo. Em meio as patricinhas de sempre, ele vibrava com Ana, como um troféu em punho (um brinco brincava de trapézio na orelha, apesar de não ser nenhuma gatinha, livre de assédio).  E no diálogo, ela percebia essa sua ousadia, que antes procurava arrefecer o entusiasmo dele. Isso, nessa busca,  o tirava do rito de aventura adolescente e fazia enveredar pelas águas calmas da probabilidade concreta de sexo, sua obsessão de vida ou morte.. 

“Por que você não acompanha seus colegas? Olhe lá: cada um se armando e cadê você? ” – ela resolveu falar, e ele reparou firmeza no seu timbre de voz.

“Ao lado de você, Ana” – soprou  no ouvido de Dália.

“A gente não pode. Você perde seu tempo,  menino.” – ela falou depois de um silêncio.

Entendia que falava da diferença de idade. Boazinha no abraço, não queria largar essa tia descolada:

“Deixe que eu perca meu tempo com você, Ana: pra mim, é um aprendizado! “ – disse num afago encostando-se mais num abraço.

Entendendo como uma cantada, ela, dominadora, sorriu.

“Vou- me embora pra São Paulo amanhã”.

“Ôxe! Depois que bagunça comigo vai embora?”

“Vou pra S. Paulo e tenho que ir”- disse erguendo-se para o ponto de ônibus,  talvez com medo da cantada.

“Te ligo pra dar um alô”.

Passou o número a ela, que o guardou enfiando o papelzinho no bolso traseiro da calça jeans. Por ora, ficariam assim: ele olhando o rosto alvo mas cansado, cabelos castanhos, e ela olhando um menino com esforço de rapaz comum, moreno e playboyzinho, que procurava diferenciar-se  dos demais nos rasgos de maturidade.

“Você vai me ligar mesmo amanhã?“ perguntou.

Ela  botou em Gustavo os olhos pedintes com convicção:

“Vou”.

“Já é tarde, eu te levo até a Avenida Sete. Meu carro está ali” - falou com mais moral que lhe dava o carro novo.

Acabou cedendo. Foram para o seu Voyage, onde labutaram um bocado, antes de deixá-la na avenida. Foi lá que os corpos se resolveram  num trato mais apurado de masturbação: estalos de fivela, romper de fecho eclair, cós de calcinha, cheirinho de boceta em mãos estudadas; lábios e... grunhidos.

Não podia morrer como uma libélula tonta, num giro de satisfação carnavalesca, dia seguinte a empregada veio dizer que Ana ligara para ele para informar que estava embarcando para S. Paulo.

“Só isso?”

“Ah, pediu pra não te acordar. Deixou um abraço”. 

        C