segunda-feira, 1 de maio de 2023

Dropes

 

 

 Você desperta no meio da noite e vê alguém colocando dropes na sua boca, Para alterar, calcula logo você, o hálito deixado pela cachaça do dia. Sua aquiescência, num mútuo entendimento de complacência, era então com um beijo de agradecimento pelo providencial gesto.

Chancelava-se assim o encontro casual que tivera com aquela moça de trinta e poucos anos. Não cansava de apreciar aqueles olhos verdes, Tal postura, ainda que não fosse, tornava convidativos o rosto e o resto.

Foi numa roda de amigos em mesa de bar que conseguiu engatilhar esse flerte. Em tese, ela seria de Murilo, ao seu  lado. Mas a ordem se alterava para quem estava numa bebedeira desde cedo. Murilo só dava risadas enquanto a perna dele, Edu,  se comunicava com as coxas de Neuza por debaixo da mesa. Podia puxar o automático do sábado  e deixar correr, escorregar-se em delícia.

O trabalho para driblar Murilo e estar em aconchego com ela não foi fácil. Houve costura por dentro e por fora:

- E Murilo?

- Acho que ele não estava muito a fim.

Era areia demais para o caminhão dele – pensou em dizer. Ela adivinhava seus pensamentos e buscava melhor posição para o corpo na cama. Segundo soube da coleguinha ela estava sofrendo feito o cão numa região de Minas e tinha prazo para voltar, presa a contrato, como se fosse uma atleta. Só ia resolver a situação de família e cascar fora, que o clima não era dos bons.

- Problema de dinheiro, e?

- Também – ela disse, tristezinha.

Ficou preocupado com o que prendia a moça em Minas,  A coleguinha dera a entender que era uma dívida que não se pagava. “Como assim? Isso não existe”- pensou Edu.

´- Aprendi que para enfrentar um problema devo esperar ele entrar no meu raio de ação. Depois vou comendo pelas beiradas até ficar o oco – explicava agora a Neuza, com o ar refrescante de menta. -  Nada de tristeza, Neuza.

- É, mas meu pai tem que pagar o banco. Comece por aí.

- E depois?

- Depois tenho quer acertar com Valdir lá em Minas.

- Assinou alguma letra em Minas?

- Assinei nada,

- Medo do que então? -  Edu fez cara de deboche,

- Então não vou poder voltar pra lá,

- Não volte. Resolvido – disse Edu, apertando o abraço.

- Agora temos o banco.

- Espera. Um dia vem uma mudança ou até lá o cavalo aprende a falar.

- Pai nem sabe de mim em Minas. Preocupação é o banco.

- Em último caso, querida, resta tocar um tango argentino.

Nesse dia, apagaram a luz e foram dormir. Neuza sentiu firmeza. Bem que a vida podia ser suavizada.