Nos anos 90, publiquei a crônica que segue.
Acabo de levar meu filho para fazer a última prova
da unidade. Logo logo entrará de férias. Não sei como ele se sente. Fosse na
minha época, já estaria farejando que tipo de brincadeira iria predominar nesse
período.
Lembro que numa ocasião, mal entrávamos de férias,
já eram vistos meninos pelas ruas jogando bola de gude, e então, além do
futebol ali na praça da igreja, sabíamos que o jogo de birosca seria a moda naquele
verão.
E não dava outra, atirava-se para o canto a pasta
de cadernos e livros como se tivesse livrado de um fardo e, leve, livre e
solto, como diz na música, tomávamos de assalto a cidade.
Num ano anterior a brincadeira tinha sido dinheiro
de papel de cigarro. Eu havia juntado tanto dinheiro de papel de cigarro que,
combinado com Juscelino de dona Maria, meu vizinho, tentamos montar um banco,
na garagem lá de casa. Com o dinheiro se comprava gado. Gado de osso. Comia-se
a carne e em seguida deixava, no quintal, que as formigas completassem operação
de se retirar o restinho da carne. Atribuía-se o valor às notas de acordo com a
maior ou menor dificuldade no encontrar o papel de tal marca de cigarro.
Arizona, por exemplo, por ser novidade, valia uma nota preta. Hollywood, muito
comum, valia pouco. Continental, menos ainda. E a inflação? Sem sabermos,
convivíamos também com a inflação.
- Ih lega, Minister agora caiu, tá valendo o mesmo
tanto de Wollywod.
- Vamos lá na rua dos crentes, que eles ainda não
sabem, e a gente faz a troca.
Mas naquele verão o que se via era a meninada com
os bolsos cheios de biroscas. Umas bolinhas de um azul que enchiam de sonho os
olhos da gente.
Depois de presenciar por alguns instantes, bateu-me a vontade, e então fui lá
pedir dinheiro a mãe para comprar umas bolinhas e me enturmar.
- Compra lá na venda de Possidônio, que seu pai tem
conta lá.
Fui na venda de Possidônio e comprei uma dúzia de
biroscas. Dava para começar. Mas oh tristeza. Pode-se dizer que de todas as
brincadeiras de criança a de bola de gude foi a única que passou por mim e
ficou no mero fascínio. Temos assim uma situação mal resolvida. Quando me
aproximava da meninada para entrar na roda do jogo de gude, lá vinham os
protestos:
- Ei, você não. Tira suas bolas.
- Imagine! Ninguém aceita essas bolas de Possidônio
não. Quiser entrar vem com bola igual a nossa: azul.
Pombas, aquelas bolas azuis só quem vendia delas
era Tião de Lia, mas pai não tinha conta lá e assim ia passando o tempo sem que pudesse participar
da brincadeira. As bolas de Possidônio, eu vim descobrir depois, ninguém da
turma comprava. Eram umas bolas meio tronchas, com uma manchona branca no meio,
que vinham num saco de estopa. Muito comum abrirem-se em duas bandas quando
jogadas de perto, com força, uma contra outra. Só quem não se importava de
brincar com elas eram criancinhas, que ainda não tinham noção exata do jogo. As
de Tião de Lia ficavam dentro de um vidro. Num azul que se estendiam em sonho
se a gente olhasse detidamente.
Saía da praça da igreja e ia lá para rua dos
crentes. Talvez lá ninguém se importasse com esse detalhe bobo. O triângulo
riscado no chão, os meninos enfiavam a mão no bolso e puxava uma azulzinha.
Quando eu colocava no triângulo minha bola meio esverdeada com aquela machona
branca, lá vinha o berro:
- Ei! Essa daí não; só vale da azul.
Na frente lá de casa tinha um pé de fícus. Creio
que, excluído do jogo de gude, terminei aquelas férias ali mesmo, brincando com
o meu irmão mais novo - o único parceiro que encontrei, pois suas bolas também
eram das mesmas, das de Possidônio. (Vascão, meu Filho, boas férias!)
O tempo... Vascão agora vai me dar um neto.