domingo, 12 de julho de 2020

Aninha, a indômita




De vez em quando, do porão de sombrias lembranças, exsurge uma figura, das mais esquecidas, para colar na gente feito chiclete... Aninha, cabelo preto cortado curto e de pastinha...
- Se lembra de Aninha, uma moreninha coleguinha nossa no curso de Leras? passei no zap para ele, o poeta, hoje com mestrado e doutorado  em literatura,  com histórico em Barreiras, sudoeste baiano, para dar outro rumo ao assunto.
- Uma espevitada, acrescentou, ressentido, o colega.
- Era também, endossei, mais para dar linha ao diálogo que renascia.
Era uma mocinha procurando desvencilhar-se de abusos de pegações machistas, de uns garotos cheio de testosterona, ainda mais porque procurava andar no meio da gente, rachando as contas de cachaçada pelas nas noites poéticas do Largo da Palma, onde fica a Faculdade.   Acho que para ninguém se engraçar com ela. Não carregava o padrão de beleza da época. Mas na verdade ela era fofa, na acepção que hoje damos ao termo.
- Faltou um pouco de psicologia, ousei dizer depois de mais de trinta anos de distância.
- Verdade, disse Paulo. Você era doido para comê-la, frisou meio que enciumado.
- A gente dizia que ela era sapatão.
- Mas eu sabia que não.
- Ela só queria beber com a gente. Moderna...
- Sim.
- Vou fazer um conto com uma personagem assim, estilo anos 80. Cabelo curto e preto, que me invocava. Pequena...
- Espevitada.
- Era tb, confirmei sabendo que ele falava ressentido.
 - Principalmente espevitada. Acho que era pra ninguém se engraçar com ela.
- Verdade.
- Aninha, pequenininha. Aninha, a indômita.
- Bom título
- Emblemático.
Fizemos tantos poemas para umas e outras.
- Eram tão ruins que não sobreviveu um sequer, senão alguns meio toscos deixados por você em livros.
Bate na gente agora esse tardio affer. Onde quer que você esteja agora, Ana, Aninha, a indômita, leve consigo esse beijo tardio, como uma foto nossa dos tempos de faculdade, para você um dia mostrar para os netos e dizer consigo mesma:
- Esse aqui já quis me namorar.