segunda-feira, 29 de março de 2021

PRONTA PARA VIAGEM

 


 Uma mulher pronta para uma viagem. Ela tem o semblante de uma ave preparada para erguer vôo, seu vôo - seu primeiro e de-ci-si-vo vôo. Olhadinha para os lados e zás ... ganhar o espaço... sideral, que imaginava todo seu quando chegasse a hora. Uma vez se desprendera e ficou leve no alto vendo seu corpo cá embaixo estirado e coberto com uma colcha. Quis voltar e voltou num simples ruflar. Não estava preparada. E agora, estava? Ajeitou-se melhor para uma última foto. Para a posteridade, pensou. Acabara de correr a mão de correção dos cabelos e nesse rito esboçou um sorriso em meio a dúvida que de imediato lhe assaltara, mas no final ficou apresentável, com a bolsinha à tiracolo combinando com a roupa em preto e branco e, no detalhe,  relógio de pulso folheado a ouro. Conhecido ritual. Sim, estaria ela dsiposta? Na partida, para a foto deu o clic. E para a vida, dera também o clic?

Não, não se dera nessa empreitada porque nunca entendera isso dessa forma. Ensaio e treino apenas, na espera do grande momento. Mas o estalo ecoou e agora? Tudo que acumulara, por necessidade ou por capricho, ia ter que pacientemente se desgrudar disso? Como ficaria a rotina? A começar do café da manhã, de tenra manhã, com o pai esquentando o carro na garagem, o rádio do vizinho ligado no programa da Rádio Inconfidência - Delmário é o Espetáculo. Os dias se escoando sem fazer alarde nenhum mas com a certeza do ar de renovação dos mesmos atos. Ou melhor, a dúvida? - tentativa de conhecimento dos segredos da imensidão universal. Difícil encontrar num universo de pontos de luz a sua luz de guia ao almejado terreno.

Contudo, há pessoas que se lançam em mergulho e outras que ensaiam apenas. Há pessoas que jogam para valer e outras que escondem o jogo. Certamente era uma dessas de ensaio e sonhos. Não conhecia nenhum jogo para disfarçar ou para jogar para valer e nem apostava no escuro, sem  certeza do retorno às almofadas do aconchego. Mormente quando se encontra em certa fase da vida e nada ainda resolvido, como dizia o poeta. Seria uma outra vida pós divórcio, com coisas resolvidas e algumas pendências? Filhos encaminhados na vida e seus pais precisando naturalmente de amparo assistencial, que descobrira agora estar confortavelmente ao seu alcance. Saboreou com sorriso esse sentimento que lhe adveio como uma brisa de renovação da manhã.

Tinha que tomar atitude. Foi com esse raciocínio que se aproximou da embarcação e, tal como um colibri do jardim de sua casa, determinou seu espaço sideral e voou mundo afora, para estar no mesmo ponto em que firmara equilíbrio de vôo anterior, cuja existência, como uma aprendizagem, haveria que doravante considerar.

 

Março de 2021

quarta-feira, 17 de março de 2021

3. O casamento


 

Para o casamento de sua filha, Osvaldo Dantas convidou para padrinhos o professor Francisco Pereira da Silva e esposa Isabel.  Ninguém melhor que o professor, uma das pessoas mais ilustres por essas paragens e um dos responsáveis pela formação da aluna Eunides. Antes, porém, os preparativos do casamento. Que deve ser contado nos mínimos detalhes.  Vestido de noiva feito por costureira de Guanambi, filha de Lolozinho, era só um detalhe.

Mais outros detalhes também cercavam esse casamento. Do balcão da loja de seu pai Osvaldo, Nidinha podia ver a praça. Pouco antes,  sua atenção se voltou para os movimentos de um moço descalços labutando com um animal. “Quem seria? Além do mais, descalços!” Ficou encabulada com aquilo, até que descobriu tratar-se do filho de seu Artur Prado e de Dona Ana. Amansava um burro. Era caprichoso o menino. Mostrava-se pelo menos. Logo estaria entrando em sua vida, para mergulhar num companheirismo de corpo e alma, que perduraria.

Por enquanto tratava de diálogo entre noivos, que se iniciava. Chegou até dizer da impossibilidade de se casar por agora, por não reunir condições:

- Não posso falar de casamento por agora não, Nide, pois, como se vê, meu lote para construir casa mal comecei a construção,  disse apontando o monte de pedras despejadas no local.

- Meu pai falou, Aleci, que você não precisa se preocupar com isso agora não, que a gente pode ficar com eles por uns tempos.

 Lembrou que  o futuro sogro falou para não se preocupar com casa, que ele podia ficar uns dois meses morando com os sogros. E ele, com a mãe doente, sem poder decidir.

- Acho que vou a Belo Horizonte levar minha mãe pra fazer uns exames e volto para o casamento.

Mas o que fez mesmo Aleci decidir? Segundo alguns, teria sido em razão de haver tomado café numa mesma xícara que a noiva, sendo flagrado pelo paparazzo do tio Silvino Martins, que mais que ligeiro aconselhou seu compadre Osvaldo:

- Tem que pegar a moça e o menino, compadre, e marcar logo esse casamento: já estão tomando café na mesma xícara.

Casamenteiro, que queria esse trato para o sobrinho Joaquim Neves. Ou  foi o episódio que se deu em Belo Horizonte?

No episódio de BH, ele, com a mãe doente, sem poder de decisão, sob o fogo juvenil de um animal indomável, iniciou-se numa aventura que poderia resultar numa quebra de compromisso, ao caminhar para os trilhos de um arrumação à mineira, quando sua mãe Ana, conhecendo sua cria, ainda que estando enferma, avisou a filha da dona da pensão, que logo se entusiasmara, servindo ao jovem Aleci um copo de toddy antes de dormir, todos os dias, que ele era noivo na Bahia. A moça por nome Iêda nunca mais esperou Aleci, com o copo de toddy, nem Aleci precisou esconder mais a aliança. Vieram então de volta após uns exames.

Dona Etelvina preparou um quarto para a mãe do noivo em sua casa, a que Ana compareceu, vestida para ocasião, ainda que adoentada, sob protestos da filha mais velha Zeni Prado,  com quem travou uma discussão:

- Ora, moça, Aleci tem mais cuidado com a mãe, que trata ela que nem uma filha sua. Não cabe essa preocupação não, falou firme dona Etelvina, como se desse um safanão geral, pondo um basta no assunto, para tristeza de Zeni, que no outro dia cedo veio para buscar a mãe.

Então chegou o dia 26 de julho de 1957, quando se casaram na igrejinha velha e no civil, na sala de visita de sua casa, que serviu para o baile, com os dois sanfoneiros de fama da região, e foram felizes para sempre, poder-se-ia acrescentar, malgrados os percalços encontrados pela frente. Como nesse mesmo dia, que ao noivo deu de querer que a festa se acabasse logo, que todo mundo se retirasse, para finalmente ter refreada sua tão sonhada expectativa por conta da mulher andar naqueles dias com seus segredos de moça e mulher.