FAB
Robson nem caderno
tinha. Quiçá uma caneta. Era um dos alunos do segundo semestre de Letras, que,
sem encontrar encaixe, andava circulando pelo campus feito zumbi. Sentava na fila de trás, revirando novidades,
que só por sua cabeça em cenas apocalípticas de filmes passavam:
- Edson está comendo
essa bacana – apontava os dois estudantes de papo prolongado.
- Conversa de colegas,
Robson!
- Que conversa, Gustavo?
Está todo mundo fodendo. Não vá me dizer que você não está comendo essa bacaninha
que vem lhe pedir carona.
- Pelo amor de Deus, Robson!
O mundo pra você acabou, é?
Difícil andar com
Robson. Noutras palavras, era um chato. Fazia o tipo de burguesinho que ficou
de fora de uma boa faculdade e agora estava ali para a gente suportá-lo nos seus
azedumes, em protesto contra tudo que
não fosse do agrado. Rapaz de boa aparência e todos os requisitos protocolares.
Mas nessa engrenagem faltava um dente. Daí essa inquietação de Robson. Que até
parecia só eu/ entender. Talvez por conta da cola que dei a ele numa prova de Literatura,
numa das tentativas de ajudá-lo, que teve início esse tratamento provisório.
Ficava pondo panos quentes nas suas presepadas, reservando-lhe carteira:
- É de Robson essa
carteira. Olhe ele chegando ali, ói! – reclamava.
Às vezes a gente saía
pela cidade no carro do pai de Robson, de mil recomendações, com diálogo que eu
flagrei um dia entre os dois no orelhão:
- Bom que eu não pego
mais essa porra de carro – disse Robson em desabafo ao desligar o orelhão. Lembrava que “essa porra de carro” saiu depois de desligado o aparelho. O pai
era de um rigor monstruoso.
- Ele te sufoca, cara –
falamos em apoio.
E isso só contribuía
para agravar o quadro psicológico do garoto. Numa dessas saídas, oferecemos carona
a uma presumida garota da noite e tocamos para um motel. Aventura! Se dois em
um era falta, nós estávamos em três. Levávamos mais um colega, o poeta. Mas todos
os ratos eram pardos e a menina topou o convite e tapeou os três direitinho, de
forma que ninguém comeu ninguém e todos se saíram machos. Encerramos a noitada
forrando o estômago com sarapatel e cerveja, num bar encontrado ainda aberto
perto da faculdade.
Os estilhaços da briga
com o pai de Robson ficavam mais entre eles mesmos, só algumas fagulhas eram
entrevistas, como, por exemplo, o fato de o pai, sem enxergar viabilidade para
o mundo deles, discordar do curso em que o filho ingressara. Daí a bomba de um
lado e de outro, numa explosão de relacionamento familiar. Mas por dedução,
parece que o ramo de negócio em que se firmava a família era o de corretagem
imobiliária. Robson falava muito de ser forçado a tomar uma atitude séria na
vida, como maneira de resolver a parada
- Sumir, bicho!
Qualquer hora eu pego um avião e desapareço por aí.
Ia fazer vinte e um
anos. Não precisava mais de alguém alegando coisas e cobrando dele o impossível
por isso. Vi um homem barbado chorar, que não deu tempo de pensar.
- Pra você me levar no
aeroporto de moto, pode ser? De lá, vou pro Rio de Janeiro.
- Você é maluco, Robson?
Quem vai pagar a passagem?
- O avião é da FAB,
cara, não pago nada.
Marquei de apanhar, fui
e apanhei um cara pronto, mochila às
costas. Fiz a viagem mais longa de moto até então. Imagem de cima para baixo
mostraria o cinematográfico da dupla na pista, deixando a grande cidade para o
passado, como página virada do caderno que Robson não levava consigo. O pai
dele ligou para minha casa e só me perguntou se eu dava notícia de Robson,
tendo desligado normalmente quando contei a verdade sobre a viagem. Dias depois apareceu Rose, colega de turma, e
revelou-se uma bomba: escondia uma barriga de três meses e meio de gravidez.
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