sábado, 13 de julho de 2013

Camisa do Flamengo não

Camisa do Flamengo não


A mulher veio se queixar que hoje em dia já não se faz mais empregada como antigamente, que essas mocinhas não sabem arrumar casa, cozinhar - principalmente cozinhar -, nem cuidar de menino, etc e tal. Um verdadeiro discurso. Isso feito uma cantilena - uma cigarra todos os dias nos ouvidos, quando em casa chegava e a encontrava recolhendo a roupa enxuta do varal ou correndo até a cozinha para espiar a panela no fogo ou ainda vindo até a sala ralhar com os meninos e verificar se eles faziam a tarefa ou assistiam à televisão.

O diabo que empregada ali não durava mais que um mês: “Não serve. Você viu a sujeira em que se encontra a vidraça? As plantas morrendo de sede, a minha panela que não pode ser areada com bombril! Você viu?

Vinha outra. Desta vez uma senhora. Tinha mais experiência, mais juízo (“da idade de mãe”), podia dar certo.

Não deu:

- Eu ainda acabo com meus dias de vida. Olhe o que essa tonta fez!

Por ele, ele até que perdoava. A velha não conhecia essas modernidades - achou que o salame tipo italiano fosse como lingüiça caseira e tascou tudo no feijão, gordureiro sem fim, que teve que fazer farofa de ovo se não quisesse ficar com fome e agradecer encontrar-se a meninada na casa da avó nesse dia.
Deletada a velha, apareceu depois o contrário: uma nova. Nem bonita nem feia. No frescor da idade, como diria Machado de Assis. Mas aí, mesmo antes de ser testada no emprego, quem ficou para os cantos dizendo coisas foi ele:

- Essa menina não vai dar certo aqui não. Pode mandar embora.

- Você é doido, é? Imagine! Logo agora que achei uma menina prendada, caprichosa, que sabe fazer as coisas! Pois dessa aí eu gostei.

- Pois eu não gostei nem um pingo. Se a gente entra na cozinha, essa menina com essa camisa do Flamengo. Se entra na sala, camisa do Flamengo. No quintal, camisa do Flamengo. Quieta, pelo amor de Deu.

- Tá certo que você é botafoguense doente, mas eu é que não vou perder uma empregada dessa só por causa de besteira de futebol. Nem pensar, nem pensar mesmo. Eu é que sei o que é ficar sem empregada, me matando no tanque de lavar, na cozinha e tudo – e lá vinha de novo a ladainha..

Ele, que sempre dizia ter dois times (um para amar e outro para odiar), virou a página do jornal que estava lendo, meneou a cabeça e, entre dentes, mordeu as palavras:

- Isso é demais: camisa do Flamengo em minha casa. Vai que passa um amigo aí e a gozação está feita. De jeito nenhum.

A mulher não lhe deu mais ouvidos e saiu para as compras.

Ficou observando no quintal a empregada regando as plantas - a camisa do Flamengo para lá e para cá. Sem soutien; os seios pontudos como frutas no ponto de colheita.

- Es-sa ca-mi-sa do Fla-men-go...

A essa altura, já não mais sabia em que trecho do jornal interrompera a leitura.

Chegou até a pensar, com certa isenção, que a camisa do Botafogo (é claro que não iria admitir isso perante os flamenguistas) perdia de dez a zero.

Uma nesga do sol, em declínio, iluminava em rubro-negro o tecido fino. Eram os seus olhos, em todo campo de visão, tomados por aquelas duas pontas de seios.

Quando a mulher retornou para apanhar algum objeto esquecido deparou com a cena: a menina segurando frouxamente a mangueira d’água e ele lhe suspendendo a camisa, já em meio, seios à mostra, no ponto do... “nhoque”, mas aí...

- CACHORRO! QUE HISTÓRIA É ESSA?

Então ele foi mordendo a blusa e puxando-a bruscamente com as mãos. Não levou mais que um segundo, ela assistiu, um pouco mais conformada, o restante da cena: ele retirando completamente a camisa que a menina vestia, jogando-a no chão e pisoteando feito um doido:

- Eu já disse: camisa do Flamengo em minha casa nem ver. Vou botar fogo. Aqui é BOTAFOGO. BOTAFOGO, minha filha! - esbravejou e saiu para o quintal cumprindo suas palavras.

Tudo foi contornado, “graças a Deus”, e a menina ganhou blusa mais decente, etc.

- Só acreditei mesmo porque o fanatismo dele pelo Botafogo é coisa pra psiquiatra. Tirou com raiva, com os dentes e tudo e tocou fogo na camisa - escutou as explicações dela aos familiares.

E ele, ajeitando as folhas do jornal:


- Tá, neném, imagine se eu vou deixar gente entrar em minha casa com camisa do Flamengo!

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