sábado, 28 de setembro de 2013

A bisavó rapariga

 


Dizem que os primeiros colonos que o rei de Portugal enviou para o Brasil eram, na sua maioria, degredados e prostitutas. Quando assim iniciava alguma conversa do dia, Zeduardo descansou o copo sobre a mesa e soltou uma das suas:

- Pombas, então desde as nossas origens já somos ladrões e filhos de rapariga.

A conversa não prosperou porque Mazim, que há muito tinha pedido a palavra, resolveu contar uma parte de sua vida, adiantando que, não ia muito longe, tinha na sua família a sua bisavó, religiosamente casada com seu bisavô, que tinha sido rapariga exclusiva dele mesmo.

- Oxente! – gritou Zeduardo: como pode, se ela só tinha seu bisavô como marido?

Mazim, todo professoral, quis saber primeiro o que significava ser rapariga. Alguém explicou que rapariga era o feminino de rapaz mas que depois assumiu o significado de mulher que transa por dinheiro.

 - Pois então minha bisavó era rapariga!

Contou Mazim que o velho Ioiô Tonico era um verdadeiro mão-de-vaca. Comida não deixava faltar em casa. Havia fartura. Mas era ali ó: a chave da dispensa em suas mãos. Nada mais. Isso desde o começo do casamento. Iaiá Madalena, ainda em fase primaveril, já esboçava um certo protesto com relação a sua atitude. Precisava de algum dinheiro. Coisinhas de casa. Roupinhas para os primeiros filhos, uma lembrancinha ou outra. Ioiô Tonico, imperioso, não tinha olhos para o que entendia ser capricho extravagante da esposa. Pelejava a coitadinha. Ao seu modo, arrumava a casa e a filharada como podia.

Uma noite em que se apresentava o ambiente próprio para Ioiô desfrutar um dos seus direitos maritais, Iaiá Madalena deu um verdadeiro golpe, que acabou resolvendo seus problemas até o fim da vida, criando toda família dentro do padrão de vida que a condição financeira de Ioiô podia oferecer. Filhos bem vestidos, asseados, escola, casa na cidade e etc.

Estava, como de costume, para receber Ioiô em sua cama. Ioiô mão-de-vaca. Ioiô guardador de chave de despensa. Bonzinho para com as mulheres do Mocambo e ruim para a família. Quando ele se aproximou, todo garantido do seu direito, custo zero, Iaiá trançou as pernas e, negaciando o corpo, falou:

- De hoje em diante,  Ioô, só aqui ó... - e movimentou os dedos exigindo dinheiro.

E assim foi por toda a vida, até Iaiá Madalena, rapariga do marido, criar toda a família, e Ioiô Tonico religiosamente entregando seu dinheirinho, lá pelo final apenas por costume.


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