terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

sou louco por ti, América



que que eu tenho a ver com o que ocorre na Venezuela
e tenho
e choro
e me lembro de Jango no Brasil de antanho
de Allende no  Chile
do povo de Cuba

e da música sou louco por ti, América?

sábado, 22 de fevereiro de 2014

casamento


casamento é interseção
de corações
corpo e alma
no meio fica aquela área comum
de renúncia a algumas individualidades
- condomínio

e o segredo de sua manutenção
é a proteção dessa área
em reciprocidade
sempre
apesar


Rua Virgiliana Reis, s/n - CANDIBA-BA

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Sr. João Ferreira, delegado de primeiro mundo




Seu João Ferreira não tinha nada do que o nome indica. Não era de ferro. No nome talvez, daí que se tornou delegado de polícia na Candiba antiga, ainda distrito de Guanambi, aos pés da Serra Geral, na Bahia. Coisa de mudança política na região naqueles velhos tempos: era o cara que se podia indicar, porque respeitoso e sério, para desempenhar tal cargo no então distrito pertencente a Guanambi. Mas deu-se que, como se sabe, delegado, principalmente naqueles tempos, delegado tinha que ser delegado, ou seja, diante de tanta ignorância, fazer valer a autoridade e pronto, sem explicações, senão tomava-se conta.

Só que de norte a sul, do então pequenino vilarejo de Candiba até a China, todo mundo sabia que, embora respeitoso e sério, Seu João Ferreira não era pessoa indicada para dar combate no que ocorria na localidade, principalmente em dia de feira livre, quando apareciam os lances de “faroeste”, porque naquele tempo todo mundo andava armado até os dentes e coisa e tal; cachaça, jogo e raparigagem. Quem tinha sido mais especialistas no assunto foram delegados anteriores como Chico Lima (mais ignorante que os caras na porrada) e Albertino Rocha (mais diplomático), mas a política mudara de lado e o indicado tinha sido agora seu João Ferreira.

Num sábado, dia de feira livre, principalmente com feirantes vindo de Guanambi, não se podiam armar barracas, pois que nesse dia Tião de Jilú, cheio da cachaça, com uma peixeira que brandia a todo o tempo e que se fazia brilhar mais que dente de ouro de cigano, dizia logo cedo:

- Hoje eu decidi: não tem feira, e quem quiser que vem dentro – mostrava a faca, que parecia luzir sob o efeito dos primeiros raios de sol daquele dia.

Trabalho para o delegado da localidade. Seu João mal tinha tomado o café da manhã quando recebeu a notícia, para que, como delegado, tomasse as devidas providências, pois que a feira estava sendo proibida por um bêbado.

Ajeitou-se, pegou por último o chapéu no torno da sala, e falou, com voz firme de delegado, à esposa:

- Zifina, vou ali prender esse sujeitinho e volto pra terminar o café.

Quinze minutos depois seu João estava de volta, devolveu o chapéu ao torno da sala, tirou o paletó, descansou-o numa cadeira e foi para a mesa em busca do café da manhã que antes tinha sido interrompido.

- E aí, João, prendeu o sujeitinho?

Puxando uma porção de cuscuz, seu João respondeu:

- Prendi não, Zifina,  mas disse um bocado de desaforo pra ele.

Dona Josefina ficou sabendo disso, mas não propriamente de como ocorreu o episódio.

Seu João, em sua primeira e última ação como delegado de polícia, chegou até o local e lá se encontravam as pessoas em volta assustadas com a presepada de Tião de Jilú, bêbado, impedindo a realização da feira livre.

- Tião, teje preso.

- Num tejo.

- Tião, quem está falando aqui é a autoridade: me dê essa faca e vá se embora senão vai preso.

- Vem tomar, o senhor não é autoridade? – respondeu Tião fazendo artimanha com a faca. – Hoje, seu João, pra mim tanto fazer matar ou morrer. Quem for bom que vem dentro – e tornou a manusear a faca com destreza.

Seu João olhou em volta, viu aquele tanto de feirantes e populares aguardando o desfecho, lembrou-se de que Tião tinha vindo corrido de Guanambi por ter furado gente de faca. Sem se encontrar ele, delegado, com algum suporte policial e com aquele seu físico de Charles Chaplin e além do mais um chefe da família, resolveu tomar uma atitude diferente. Olhou fundo nos olhos do negro Tião de Jilú e fulminou:

- Pois se você é o valentão, o dono do mundo, que fique aí com sua valentia.


Virou as costas e saiu para terminar o seu café da manhã. Soube-se que depois Tião montou o seu cavalo e foi se embora. 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Capítulo primeiro de um romance

1
O maior inventor de todos os tempos



O maior inventor de todos os tempos? Sempre tinha carregado consigo, para quando em alguma circunstância fosse instado a dizer, uma resposta que entendia  liquidar de vez a polêmica: o maior inventor foi a própria humanidade; não foi um fulano de tal que viveu numa certa época, porque a maior invenção, achava, foi a escrita. Graças a ela é que daí decorreram as demais. Mas agora abria mão de toda essa certeza para impor, sem admitir direito ao contraditório, que esse princípio se lixasse por lá, para bater o martelo retificador da verdade: o maior inventor do universo, de todos os tempos, foi... Grahm Bell.

Era na parte de cedo e o telefone do escritório já tocava. Tocava não; fazia escândalo. Parecia uma rapariga a gritar por todo edifício: “Gustaaaaaaaaaaaaaavo... Gustaaaaaaaaaaaaaaaaaavo”. Teve que subir as escadas saltando degraus, tanto que chegou meio ofegante quando conseguiu alcançar o fone:

 - Alô.

- Gustavo?

Deus, era ela! Deu vários beijos no bocal do fone. Até que enfim a vida que pensava ter perdido para sempre. Até que enfim aquela voz que já tinha deixado de ouvir fazia algum tempo. A voz. A voz. Só com isso parecia retomar o verde da existência, a vontade  de abraçar até os inimigos, se os tivesse, como falou um dia em que fizeram amor três vezes na noite e quando foi para o trabalho de lá ligou para ela só para dizer isso.

- Gustavo?

Que maravilha! E esse “Gustavo!” era assim, ainda que, como quem estava zangada,  que iria cuspir maribondos, “a voz”, que fazia tempo não musicava em seus ouvidos, mesmo em tom de agressividade.

- Gustavo?

Zangada.

- Fala, meu amor.

Imagine aqui com que entonação respondeu. Depois de tempos. Ausência igual a frio de Vitória da Conquista, de pelar cachorro. Falar em cachorro, ela agora iria soltar os dela.

-  Pare com esse negócio de amor. Você está ficando maluco, é?

Tinha que sair por aí, não era?

- Você telefonou pra todas casas da cidade procurando por mim. Você acha que isso é coisa de gente normal?

- Você não me deixou o número do seu telefone, baby...

- Pare  de me chamar de baby. Acabou e pronto.

A voz. Como sua cidade não era tão grande assim, conseguiu um catálogo telefônico, e, como não sabia o número do telefone da família dela, resolveu ligar para todos os números de telefone da cidade procurando por ela. Não aguentava mais aquela ausência.

- ... e além do mais, você é um idiota: ninguém aqui me conhece pelo nome não e sim pelo apelido, “Joice”.
Trabalho da porra. Ligava: “é da casa de Joicilene? Não? Você pode mandar um recado pra ela, pra ligar pra Gustavo?

- Então como é que você ficou sabendo, baby?

- Pare com esse negócio de baby. Acabado.

Brava. Mas chegaria lá: o trabalho não fora inútil.

- ... você é maluco, ligou até pra rádio FM e eu estava na cozinha fazendo café quando a rádio divulgou, e mãe e pai escutando.

- E eu sabia lá que era rádio; eu queria tentar localizar você, por isso liguei para todos os números do catálogo...

- Você é maluco e eu não sabia disso...

- Mas eu fiquei assim depois de você, baby...

- Pare de me chamar de baby!

- Pra que essa brabeza?

- Eu fiquei assim depois dessa loucura sua. E olhe, esqueça, a gente não tem mais nada a ver. Por favor.

- Eu vou aí.

- Não faça isso.

- Vou. Então venha você aqui senão eu vou.

- Eu já lhe expliquei que não dá certo. Fique com sua mulher, já que você não se livra dela.


A bronca era essa: ciúme da titular. Tinha visto o casal fazendo compra em um supermercado e ele todo todo aninhado à esposa, com beijinhos e coisa e tal, e então entrou em parafuso, sendo que já estava acostumada com a idéia de que ele jamais se separaria e que o relacionamento deveria se manter daquela forma.

- Mas você já tinha compreendido isso, baby: coisa superada.

- Pare de me chamar de baby e tem mais: compreender é uma coisa mas ficar vendo aquilo é outra coisa, você lá se babando, beijinhos e abraços e palavras...

- Mas eu sou assim...

- Vai ser assim agora nos infernos – gritou (“a voz”) e bateu o telefone.

Tinha certeza de que ela iria ligar de novo. Conhecia. Ela não tinha terminado a bronca, para que depois ele lograsse êxito no seu intento. No fundo, ela teria gostado da sua loucura