terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Capítulo primeiro de um romance

1
O maior inventor de todos os tempos



O maior inventor de todos os tempos? Sempre tinha carregado consigo, para quando em alguma circunstância fosse instado a dizer, uma resposta que entendia  liquidar de vez a polêmica: o maior inventor foi a própria humanidade; não foi um fulano de tal que viveu numa certa época, porque a maior invenção, achava, foi a escrita. Graças a ela é que daí decorreram as demais. Mas agora abria mão de toda essa certeza para impor, sem admitir direito ao contraditório, que esse princípio se lixasse por lá, para bater o martelo retificador da verdade: o maior inventor do universo, de todos os tempos, foi... Grahm Bell.

Era na parte de cedo e o telefone do escritório já tocava. Tocava não; fazia escândalo. Parecia uma rapariga a gritar por todo edifício: “Gustaaaaaaaaaaaaaavo... Gustaaaaaaaaaaaaaaaaaavo”. Teve que subir as escadas saltando degraus, tanto que chegou meio ofegante quando conseguiu alcançar o fone:

 - Alô.

- Gustavo?

Deus, era ela! Deu vários beijos no bocal do fone. Até que enfim a vida que pensava ter perdido para sempre. Até que enfim aquela voz que já tinha deixado de ouvir fazia algum tempo. A voz. A voz. Só com isso parecia retomar o verde da existência, a vontade  de abraçar até os inimigos, se os tivesse, como falou um dia em que fizeram amor três vezes na noite e quando foi para o trabalho de lá ligou para ela só para dizer isso.

- Gustavo?

Que maravilha! E esse “Gustavo!” era assim, ainda que, como quem estava zangada,  que iria cuspir maribondos, “a voz”, que fazia tempo não musicava em seus ouvidos, mesmo em tom de agressividade.

- Gustavo?

Zangada.

- Fala, meu amor.

Imagine aqui com que entonação respondeu. Depois de tempos. Ausência igual a frio de Vitória da Conquista, de pelar cachorro. Falar em cachorro, ela agora iria soltar os dela.

-  Pare com esse negócio de amor. Você está ficando maluco, é?

Tinha que sair por aí, não era?

- Você telefonou pra todas casas da cidade procurando por mim. Você acha que isso é coisa de gente normal?

- Você não me deixou o número do seu telefone, baby...

- Pare  de me chamar de baby. Acabou e pronto.

A voz. Como sua cidade não era tão grande assim, conseguiu um catálogo telefônico, e, como não sabia o número do telefone da família dela, resolveu ligar para todos os números de telefone da cidade procurando por ela. Não aguentava mais aquela ausência.

- ... e além do mais, você é um idiota: ninguém aqui me conhece pelo nome não e sim pelo apelido, “Joice”.
Trabalho da porra. Ligava: “é da casa de Joicilene? Não? Você pode mandar um recado pra ela, pra ligar pra Gustavo?

- Então como é que você ficou sabendo, baby?

- Pare com esse negócio de baby. Acabado.

Brava. Mas chegaria lá: o trabalho não fora inútil.

- ... você é maluco, ligou até pra rádio FM e eu estava na cozinha fazendo café quando a rádio divulgou, e mãe e pai escutando.

- E eu sabia lá que era rádio; eu queria tentar localizar você, por isso liguei para todos os números do catálogo...

- Você é maluco e eu não sabia disso...

- Mas eu fiquei assim depois de você, baby...

- Pare de me chamar de baby!

- Pra que essa brabeza?

- Eu fiquei assim depois dessa loucura sua. E olhe, esqueça, a gente não tem mais nada a ver. Por favor.

- Eu vou aí.

- Não faça isso.

- Vou. Então venha você aqui senão eu vou.

- Eu já lhe expliquei que não dá certo. Fique com sua mulher, já que você não se livra dela.


A bronca era essa: ciúme da titular. Tinha visto o casal fazendo compra em um supermercado e ele todo todo aninhado à esposa, com beijinhos e coisa e tal, e então entrou em parafuso, sendo que já estava acostumada com a idéia de que ele jamais se separaria e que o relacionamento deveria se manter daquela forma.

- Mas você já tinha compreendido isso, baby: coisa superada.

- Pare de me chamar de baby e tem mais: compreender é uma coisa mas ficar vendo aquilo é outra coisa, você lá se babando, beijinhos e abraços e palavras...

- Mas eu sou assim...

- Vai ser assim agora nos infernos – gritou (“a voz”) e bateu o telefone.

Tinha certeza de que ela iria ligar de novo. Conhecia. Ela não tinha terminado a bronca, para que depois ele lograsse êxito no seu intento. No fundo, ela teria gostado da sua loucura

Nenhum comentário:

Postar um comentário