domingo, 20 de abril de 2014

Seu Zé




Tinha um boteco com placa de Fiado só amanhã, só que todo mundo ali comprava fiado. Achou bacana, melhorou a decoração depois com outra placa mais trabalhada, Proibido Fumar; só que todo mundo fumava assim mesmo, inclusive os não fumantes. Seu Zé tirava onda de bravo, essa é que era a verdade. Gente boa mas começou a andar meio fraco da memória, no dizer, porque estava tudo dentro da normalidade.

Era estabelecimento misto de comércio e residência. Quando ele tinha alguma coisa lá dentro, dona Mocinha ficava no balcão.

Arlindão habitualmente comparecia para tomar seu bacardi com coca-cola e participar do zumzum que rolasse.

Mas naquele dia parece que seu Zé variou da idéia. Arlindão, enquanto conversava previamente com os presentes de costume, voltou-se para bicar no balcão seu copo de cuba libre e acabou por entrar em estranheza com seu Zé, com cara de respeito mas de protesto:

- Ei, seu Zé, o senhor se esqueceu de botar o bacardi; só tem coca.

- “Botiei”, meu filho; que eu “botiei”, “botiei”. Não “botiei”, Mocinha?

Ora, dona Mocinha teve a formação que a geração da mãe da gente teve, daquelas que morrem com o marido mas morrem atirando, daí a resposta:

- “Botiou”.

- Não falei?

Dois a um contra Arlindão.

- Botou não, seu Zé – e provou a bebida demoradamente no sorver, movimentando os lábios. – Só a doçura do refrigerante sem o rum.

Como dona Mocinha era suspeita, estendeu o copo aos demais para uma perícia rápida e emissão de parecer.

- Não botou não, seu Zé.

Passava para outro:

- Botou não, seu Zé.

O terceiro apenas sacudiu a cabeça negativamente. Seu Zé, gente boa mas dos antigos, que não dava o braço a torcer, não mais esperou outro parecer, pegou o litro de bacardi para completar o copo de coca-cola e dizer:

- Que eu “botiei”, “botiei”; vai ficar forte.

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