sábado, 28 de fevereiro de 2015

Tempo das Biroscas



Nos anos 90, publiquei a crônica que segue.

Acabo de levar meu filho para fazer a última prova da unidade. Logo logo entrará de férias. Não sei como ele se sente. Fosse na minha época, já estaria farejando que tipo de brincadeira iria predominar nesse período.

Lembro que numa ocasião, mal entrávamos de férias, já eram vistos meninos pelas ruas jogando bola de gude, e então, além do futebol ali na praça da igreja, sabíamos que o jogo de birosca seria a moda naquele verão.

E não dava outra, atirava-se para o canto a pasta de cadernos e livros como se tivesse livrado de um fardo e, leve, livre e solto, como diz na música, tomávamos de assalto a cidade.

Num ano anterior a brincadeira tinha sido dinheiro de papel de cigarro. Eu havia juntado tanto dinheiro de papel de cigarro que, combinado com Juscelino de dona Maria, meu vizinho, tentamos montar um banco, na garagem lá de casa. Com o dinheiro se comprava gado. Gado de osso. Comia-se a carne e em seguida deixava, no quintal, que as formigas completassem operação de se retirar o restinho da carne. Atribuía-se o valor às notas de acordo com a maior ou menor dificuldade no encontrar o papel de tal marca de cigarro. Arizona, por exemplo, por ser novidade, valia uma nota preta. Hollywood, muito comum, valia pouco. Continental, menos ainda. E a inflação? Sem sabermos, convivíamos também com a inflação.

- Ih lega, Minister agora caiu, tá valendo o mesmo tanto de Wollywod.

- Vamos lá na rua dos crentes, que eles ainda não sabem, e a gente faz a troca.

Mas naquele verão o que se via era a meninada com os bolsos cheios de biroscas. Umas bolinhas de um azul que enchiam de sonho os olhos da gente.

Depois de presenciar por alguns  instantes, bateu-me a vontade, e então fui lá pedir dinheiro a mãe para comprar umas bolinhas e me enturmar.

- Compra lá na venda de Possidônio, que seu pai tem conta lá.

Fui na venda de Possidônio e comprei uma dúzia de biroscas. Dava para começar. Mas oh tristeza. Pode-se dizer que de todas as brincadeiras de criança a de bola de gude foi a única que passou por mim e ficou no mero fascínio. Temos assim uma situação mal resolvida. Quando me aproximava da meninada para entrar na roda do jogo de gude, lá vinham os protestos:

- Ei, você não. Tira suas bolas.

- Imagine! Ninguém aceita essas bolas de Possidônio não. Quiser entrar vem com bola igual a nossa: azul.

Pombas, aquelas bolas azuis só quem vendia delas era Tião de Lia, mas pai não tinha conta lá e assim ia  passando o tempo sem que pudesse participar da brincadeira. As bolas de Possidônio, eu vim descobrir depois, ninguém da turma comprava. Eram umas bolas meio tronchas, com uma manchona branca no meio, que vinham num saco de estopa. Muito comum abrirem-se em duas bandas quando jogadas de perto, com força, uma contra outra. Só quem não se importava de brincar com elas eram criancinhas, que ainda não tinham noção exata do jogo. As de Tião de Lia ficavam dentro de um vidro. Num azul que se estendiam em sonho se a gente olhasse detidamente.

Saía da praça da igreja e ia lá para rua dos crentes. Talvez lá ninguém se importasse com esse detalhe bobo. O triângulo riscado no chão, os meninos enfiavam a mão no bolso e puxava uma azulzinha. Quando eu colocava no triângulo minha bola meio esverdeada com aquela machona branca, lá vinha o berro:

- Ei! Essa daí não; só vale da azul.

Na frente lá de casa tinha um pé de fícus. Creio que, excluído do jogo de gude, terminei aquelas férias ali mesmo, brincando com o meu irmão mais novo - o único parceiro que encontrei, pois suas bolas também eram das mesmas, das de Possidônio. (Vascão, meu Filho, boas férias!)


O tempo... Vascão  agora vai me dar um neto.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Quarta-feira de cinzas



já passou o carnaval
você já não tem mais a mão
quente
em sua mão
beijos e abraços

você levou na boca
no corpo
um novo e
escorregadio
astral

esta quarta-feira
serve de esteira
para seu eterno sonho

vamos para o ordinário
seja firme
se afirme
virão outros carnavais

18.02.2015

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

meu segredo


meu segredo
morre comigo
- segredo nenhum
eu nem conheci direito
as letras
tal como o padre Antônio Vieira
e as suas combinações várias
com o surto de Carlos Drummond de Andrade
sobre o reino das palavras
só o quintal de infância
do poeta Manuel de Barros
e a estrela da manhã
do outro Manuel
bandeira que deve cobrir
minha extinção


                   17.02.2015

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Carnaval


Você é criança. Uma mão de menina em sua mão. Cantiga de roda ou um carnaval de crianças. Aquela mão ali na sua mão. Você ainda não sabe dizer se ela é bonita ou feia. Você sabe dizer que é bom aquele enlace. Para o resto da vida.

Eu estava tomando uma com os amigos num barzinho de sempre, quando, sem que me desse bem por isso, a um canto do balcão, me vi com uma senhora que ali fizera compras e comigo ficou numa prosa em que não cabia mais ninguém. Aos olhos dos companheiros eu já devia estar meio andado nas cervejas: Nei George com aquela mulher judiada; coisas dele.

Coisas minhas:

- Por onde você andou?

- Moro aqui há muito tempo.

Falou o nome do bairro. Mas nosso assunto era outro.

- Você se lembra?

- Me lembro sim, e te vejo sempre por aqui, mas nunca pensei que você viesse falar comigo.

Não quis perguntar muito sobre sua vida, que imaginei em sua aparência de mulher sofrida, em contraste com que me apresentava, para meio espanto dos que em volta reparavam em nosso diálogo.

- A imagem que eu tenho sua ainda é aquela; custou um pouco te descobrir depois de tanto tempo.

- Pois eu sempre te vejo aqui com amigos.

- Cadê o colar?

Ela deu um sorriso de nostalgia mostrando ausência de alguns dentes, com a mão em socorro imediato:

- Oh, meu Deus; eu tinha roubado de minha prima minutos antes de brincar com você.

Eu devia ter uns nove ou dez anos, e a mãozinha dela encontra até hoje aquecendo a minha, com aquele colar  que ela disse ter “roubado” da prima naquele Carnaval de 1971.

Por isso, ninguém entendia Nei George; mas notei que o garçon, que me viu levar sua freguesa até a porta de saída, com um olhar prolongado nos seus passos com tentativa de elegância, chorava:

- Ô doutor, apanha do marido feito o cão...



quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

OUVIR ESTRELAS


de que planeta terra você veio
sem rodeio
sem laços
elásticos
só vocezinha
assim?

passarinho de estranho canto
belo canto
que só eu
pretensioso
ouço
dentro de mim?

- esse meu costume olavobilaquiano
de ouvir estrelas...


                                                        11.02.15 NGP