A cena seguia um ritual
simples mas um ritual. Antes de ir para o seu quarto, ela se erguia do sofá com
os apetrechos de fiar no colo, algodão, novelos de linha e um instrumento, que
hoje minha mãe guarda consigo, como uma cara lembrança: o fuso, que ela,
vovozinha, sabia manejar com peculiar destreza. E dele fazer maravilha , essa
maravilha que me envolve seguro de mim desde tenra
infância: “meu cobertor que vovozinha fiou nas noites de espera”.
Interessante é que fazia uso
desse cobertor tanto no frio como no calor. Tornara-se um vício: sentir o
cobertor, ao menos uma ponta do algodão, com o cheiro de bem lavado que sempre
o acompanhava e a gente associava a guarda-roupa da casa de vovó.
Inseparáveis. Éramos eu e o
cobertor. Quando chegava o frio era só colocar o cobertor novo por cima.
Aconchegante. Dormia aquecido por vovó, carinho que não costumava receber de
forma exposta em vida mas recebia agora, após. Carinho tardio mas um carinho
afinal. Que importa o tempo! Me pegou adulto e eu valorizo ainda mais porque é
o instinto maternal estendendo-se adiante seu abraço de avó. Em reconhecimento
é que por vezes, em noites boêmias, até tive que carregar comigo para um hotel
e onde quer que fosse a noitada afora. Era uma criança graúda que sentia guarnecida
e com toda proteção num sono de despreocupado. Nesses panos de riscado de vovó
encontrei minha fidelidade. Uma traição me cobrir com cobertor de cheiro e
textura diferentes, que não o riscado esbranquiçado de tantas águas e sabão de
bola como devia ser:
“Esse cobertor seu pode lavar
na máquina!” era a mulher dando um trato
novo de manuseio no algodão, para não se
descuidar da originalidade.
Contemplo
demoradamente o fuso, aparelhozinho tipo bobina de madeira que em mãos hábeis
se tornou responsável por minhas noites de conforto maternal, de um bebê que
ainda busca dormir como antigamente, em que se rezava antes e após tomar a
benção de vovó.
Mãe, na qualidade de filha
mais velha, ficou com o fuso e os novelos linha de algodão deixados por vovó:
“Ei, olhe aqui! ” me mostrava como novidade umas bolas de lã. “Tem uma mulher
que ainda faz o tecido. Vou encomendar mais uns dois cobertores de riscado.”
Era a presença de vovó na
família.
“Uma mulher forte!” pensei com um frio sob controle do riscado
tecido por vovó, examinando minha garganta antes de adormecer e apagando o
candeeiro em seguida, num tempo em que se recolhia sem que de pandemia se
ouvisse falar.
Texto fabuloso, meu amigo George! Imagem de um cotidiano que nós os cinquentões vivenciamos. Trago essa mesma lembrança das minhas avós, lidando com esses aparatos da tecelagem, algo que se perdeu no tempo mas que foi apreendido habilmente por sua alma poeta.
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