para Vasco e Patrícia
Passeava montada em um cavalo. Fazenda
do avô. Não se lembra agora da cor do cavalo nem de como era a vegetação, mas
do short dela, nos seus vinte e poucos anos, do cabelo castanho ao enleio do
vento e, ela levemente chicoteando o animal, do entrecruzar de olhos, quando
ergueu-se para além do que se discutia. Ela era uma das herdeiras, na vaga do
pai, falecido, que ali comparecia para a partilha do rebanho de gado deixado
pelo velho avô. Gado que não acabava mais. Nem aí, diria depois, um dos tios,
entendido, cuidaria de sua parte.
Passeava com estilo de menina de cidade
que aparece no campo. Bom, viera ali como advogado de uma turma de herdeiros
para o embate com outro advogado da turma dissidente, que a família não tinha
assim uma união, e não para apreciar material estranho ao processo. Mas o
clique fora feito.
Cabeça de gado para lá e para cá, para
um e outro herdeiro, foi realizada a partilha, até que se deu por encerrada
essa etapa, porque com relação a bem imóvel, a fazenda, isto já estaria nos
autos, conforme o entendimento firmado. Hora de ir embora.
Ao ligar o carro, guardava consigo a
imagem dela no cavalo de que nem a cor se lembrava, num jeans em
destaque de pernas bronzeadas, e aquela jovialidade que parecia distante da sua
esfera afetiva por impossibilidade jurídica da pretensão, até que, de súbito,
apareceu-lhe à porta uma voz de flauta doce:
- Vai pra cidade? Pode me
dar uma carona?
Claro. Com um negócio daquele, iria até
para... - mandaria depois explicações às famílias...
Deveria ser, por força de oficio, coisa
natural. Estaria apenas dando uma carona. Mas e as pernas?
- Você não participou da partilha do
gado. Seu tio João, não foi?
- É. Não entendo muito disso.
As pernas. Os cabelos. A jovialidade.
As pernas. As pernas. Não tinha como não olhar.
- Solteira.
- Solteira, mas tenho um filho que tá
com mãe. Tou sozinha em casa. Cê me deixa lá? É logo ali. Vou te ensinar.
Era caminho.
- Aqui.
Parou.
- Entre. Pego uma cervejinha no boteco
ao lado.
As pernas. Os cabelos. A jovialidade.
Uma cervejinha. Resolveu.
Casinha modesta. Sentou-se. E ela
chegou com a cervejinha destampada apanhada do boteco ao lado, um copo e ainda
ligou a tevê:
- Vou tomar um banho.
Foi-se. E ele na cerveja e tevê. Ela
passando enrolada na toalha para o tal banho. De volta para se aprontar no
quarto, porta aberta e com espelho de onde ele via as pernas sem o short. Que
programa se passava na tevê nem se lembrava, em que se encontrava a quantidade
do líquido na garrafa nem se lembrava.
O espelho do quarto dela lhe mostrava um
monumento e ele então tomou uma atitude.
- Demorou! Pensei que você não viesse
mais não – disse a flauta doce.