segunda-feira, 21 de junho de 2021

A flauta doce

 

para Vasco e Patrícia

 

Passeava montada em um cavalo. Fazenda do avô. Não se lembra agora da cor do cavalo nem de como era a vegetação, mas do short dela, nos seus vinte e poucos anos, do cabelo castanho ao enleio do vento e, ela levemente chicoteando o animal, do entrecruzar de olhos, quando ergueu-se para além do que se discutia. Ela era uma das herdeiras, na vaga do pai, falecido, que ali comparecia para a partilha do rebanho de gado deixado pelo velho avô. Gado que não acabava mais. Nem aí, diria depois, um dos tios, entendido, cuidaria de sua parte.

Passeava com estilo de menina de cidade que aparece no campo. Bom, viera ali como advogado de uma turma de herdeiros para o embate com outro advogado da turma dissidente, que a família não tinha assim uma união, e não para apreciar material estranho ao processo. Mas o clique fora feito.

Cabeça de gado para lá e para cá, para um e outro herdeiro, foi realizada a partilha, até que se deu por encerrada essa etapa, porque com relação a bem imóvel, a fazenda, isto já estaria nos autos, conforme o entendimento firmado. Hora de ir embora.

Ao ligar o carro, guardava consigo a imagem dela no cavalo de que nem a cor se lembrava, num jeans em destaque de pernas bronzeadas, e aquela jovialidade que parecia distante da sua esfera afetiva por impossibilidade jurídica da pretensão, até que, de súbito, apareceu-lhe à porta uma voz de flauta doce:

 -  Vai pra cidade? Pode me dar uma carona?

Claro. Com um negócio daquele, iria até para... - mandaria depois explicações às famílias...

Deveria ser, por força de oficio, coisa natural. Estaria apenas dando uma carona. Mas e as pernas?

 - Você não participou da partilha do gado. Seu tio João, não foi?

 - É. Não entendo muito disso.

As pernas. Os cabelos. A jovialidade. As pernas. As pernas. Não tinha como não olhar.

 - Solteira.

- Solteira, mas tenho um filho que tá com mãe. Tou sozinha em casa. Cê me deixa lá? É logo ali. Vou te ensinar.

Era caminho.

 - Aqui.

 Parou.

 - Entre. Pego uma cervejinha no boteco ao lado.

 As pernas. Os cabelos. A jovialidade. Uma cervejinha. Resolveu.

Casinha modesta. Sentou-se. E ela chegou com a cervejinha destampada apanhada do boteco ao lado, um copo e ainda ligou a tevê:

 - Vou tomar um banho.

Foi-se. E ele na cerveja e tevê. Ela passando enrolada na toalha para o tal banho. De volta para se aprontar no quarto, porta aberta e com espelho de onde ele via as pernas sem o short. Que programa se passava na tevê nem se lembrava, em que se encontrava a quantidade do líquido na garrafa nem se lembrava. 

O espelho do quarto dela lhe mostrava um monumento e ele então tomou uma atitude.

- Demorou! Pensei que você não viesse mais não – disse  a flauta doce.


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