sábado, 29 de julho de 2023

Como pessoas civilizadas

 

 

 - Telefone pra você, Edgar – disse a irmã.

         Era ela, a garota dos tempos de “Alumbramento”, depois de alguns anos, convidando-o para uma parada de buraco no apartamento dela,  que as amigas levariam os refrigerantes. Para os fins-de-semana, Rita inventara de armar esse esquema e, para compor parcerias, lembrou-se de Edgar, se ele topava.

Edgar falou um nhenhenhém, colocou o fone no gancho e retornou sorrindo:

- Ninguém.

- Como “ninguém”, se você estava: -  Claro. Levo o miúdo de frango – Elza imitava Edgar ao telefone.

         Por questão de segurança, Edgar abriu o jogo:

-  É Rita, Ritinha. Vou acabar ficando por lá mesmo. Vou levar uma coisinha pra beliscar. Enquanto se joga baralho...

- Melhor que voltar tarde – respondeu Elza,

Rita já trabalhava e estava quase se formando em Filosofia. O namorado aparecia por vezes. Como demorasse, pensou Edgar, o buraco agora era mais encima.       

                Edgar apanhou o capacete e sumiu pela orla, não sem antes passar na padaria e comprar a porção de miúdo de frango, que carregava no saquinho pendurado no guidão da moto. Em piruetas de contente, que lhe permitia fazer o moço de vinte e poucos anos. Durante o jogo, enquanto bicava o copo de cerveja, gostava de saborear coração de galinha no palito. Podia chover, cair toró.

Tudo isso em busca de uma fantasia besta dele. Imagens de 8ª. série.  Situação a se resolver. Carregava as cenas quentes do maravilhoso e do proibido, que lhe proporcionavam a coragem. Mas agora, passados uns cinco anos, não se podia falar de um desgaste. A imagem estava viva, como comida boa que gruda na panela. O odor estaria presente? O cenário não era mais o de escurinho de cinema. Precisava sentir esse astral de Rita, essa magia. Pensava assim, mas tinha que se policiar nesse detalhe. Não devia se entregar a um devaneio adolescente, ainda mais que, por ouvir dizer, ela era tida como noiva, que só de ouvir tal palavra, antes que se enxergasse o conteúdo, portas se abriam e se fechavam. E seu cavalo, indomável, estaria solto? Pronto para riscar o chão com a pata? Mas até quando?

         Esse grude devia-se mais a essa fantasia de garoto, de sua florescência. E quando ele mergulhava nessas águas não via pessoa, mas tudo o que emergisse e se formasse como orvalho, enquanto ato único e solitário, de pura intimidade pessoal. Sem qualquer outro toque que em Rita o atraísse, ainda mais isso, uma quase irmã, prima, vislumbre de maravilha e pecado. Precisava sossegar o animal que, rédea curta, se esperneava consigo. O medo impunha um demorado silêncio nos chocalhos de animação, mas, por vezes, não tinha como encobrir finos rasgos de um flautim, a um instante de enternecimento.

         Enquanto passava a chuva, iam se deliciando com vinho e cerveja os petiscos preparados rapidamente por Rita, com quem num outro cenário, adiante, com resultado inconseqüente, travaria um duelo,.

         - Ponha aquela ponta de charque de molho, para Edgar, ele gosta – escutou Rita, antes de se recolher, dando ordem a empregada para o dia seguinte,.

         Quase ferrou no sono se ela demorasse mais de chegar, ao calor da cama com seus lençóis.

         - Vamos deixar bem claro, seu Edgar, que vamos dormir juntos mas como pessoas civilizadas, nada dessa mão nas minhas coxas.

         - Então vou dormir em casa – disse Edgar se levantando.

Ele pegou o capacete e caminhou para a porta de saída, pensando que ela ainda diria “Ei! volte aqui, Edgar”, mas não disse, ficando só ele e sua fantasia, no meio da noite, mas num momento de embaraço, quase voltava a propósito do charque, muito do seu agrado, que ia ser preparado no outro dia.

 

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