domingo, 3 de novembro de 2024

A garota de rua e seus três maridos

 

             

Três estudantes universitários, à procura de um encontro interessante na metrópole, se depararam com uma jovem que parecia estar se perdendo. Confortavelmente, aceitando a carona oferecida pelos seus caçadores. Para um local inesperado. No começo dos anos oitenta, era um lance burguês ter um carro na mão. Ao tomar conhecimento da novidade, Toninho discou o número do colega Ítalo:

            - Hoje, vamos  os três. O pai de Róbson cedeu o carro.

Os três cavalheiros, assim chamados na universidade, se comprometeriam com o programa de fim de semana.  Beberiam na lanchonete habitual, conversariam e, em seguida, partiriam para a noite.

O Corcel II, todo lustroso, com um som bacana. Dentro dele, os rapazes se comportando como caçadores empolgados. Ítalo sorria com a comparação boba que fazia. Com o objetivo de abordar garotas, pelas ruas desnudas, seguiam com o carro num ritmo de carrocinha de pegar cachorro,.

            Vez por outra, Robson, agoniado,  exasperava:

            - Nenhuma.

            - Quando menos se espera é que aparece, cara - disse Ítalo.

            Enquanto se imaginavam maravilhas, a carrocinha rolava no asfalto. Batia uma brisa fresca. Ítalo pôs o rosto para fora do veículo e puxou para si o espírito daquela década de 80.

            - A gente tem que estar preparado. Cada um colaborando com o outro, sem usura, sem essa tara toda, para não assustar a garota.

            - Nem pintou direito a menina, cara.

            - É, mas quem conhece...

            Pelo jeito, tinha que ser o responsável ali -  conjecturou Ítalo. Não confiava muito na maturidade de Róbson, com seus arroubos de rebeldia, tampouco de Toninho, dado a paixões hilárias.  Todos na casa dos vinte, teria que ser ele o cabeça da turma.  

            - Olhe aquele broto... sozinha... Não! não pode deixar não, cara. Pare o carro, Róbson.

            Devagarzinho, a carrocinha acompanhava um Chapeuzinho Vermelho pela floresta dos homens, com um papo levado aos trambolhões, num bombardeio de perguntas, sem respostas. E, ela apanhada assim com aquela alegria juvenil, apenas esboçou um sorriso, como se, de longe, aguardasse por tais manifestos e que a vida poderia seguir de qualquer maneira sem eles.

            - Deixe que eu vou falar com ela e ajeitar, para nós, um programa mais democrático -  disse Ítalo, mais adulto no caso.

            Passados poucos segundos, voltaram abraçados como um casal acostumado. Sem embaraço nenhum, ela entrou no carro.

            - Te apresento o cavalheiro Robson, motorista, e, no banco traseiro, nosso outro cavalheiro Toninho. Vamos fazer um passeio democrático, ok? – disse se acomodando no banco traseiro.

            Foi o bastante para uma arrancada de Robson, invadindo ruas e rasgos da madrugada. Teve que tanger os braços de Toninho:

            - Contenha-se, garoto! Hora de agir com diplomacia, não selvageria.  Primeiro, vamos ver com quem ela quer ficar primeiro. Não é, Baby? – disse Ítalo passando a mão pelos cabelos da morena sorridente. Certo que, tirando o lado efusivo do grupo, ela era tranqüila, nada parecia temer.

            - Puxa prum motel, Robson – disse Ítalo, perscrutador.

            O carro saiu embalado cortando em becos e retomando avenidas como chuva numa enxurrada, até avistar letreiros luminosos em placas erguidas num alto de encostas:

            - É o seguinte: Toninho vai ficar agachado pra enganar o esquema; lá dentro a gente se ajeita.

            A garota nada dizia,  nem sinais de protesto senão fachos de tímida alegria, sempre com gestos afáveis com um  e com outro dos cavalheiros.

            - Abaixe-se aí e fique quieto, Toninho, que vamos passar agora – ordenou Robson encarregado.

            Para os cavalheiros havia o sonho de estar num quarto de motel com uma mulher. Uma novidade boa. Ítalo notou que essa novidade também valia para a parceira, que pediu uma breve pausa.

-  Decerto que é para uma espécie de  “reconhecimento” do gramado, como fazem os clubes no futebol – imaginou Ítalo.

            A musa se acomodou na cama, esticou-se, rolou, se levantou e se virou de costas, chamando com a mão. Os três, com sede no pote, repletos de mãos de carinho, concordaram, de forma implícita, com o costume de ir uma pessoa por vez. Ítalo se divertiu com jogos de abraços e beijos, bolinando nas áreas nobres, prevendo que esse seria o procedimento habitual, que os outros cavalheiros também seguiriam, prontos para agir, num cercado improvisado no quarto.

            Na hora de se despedir da garota, Ítalo lembrou que estava em cartaz o filme de Bruno Barreto, Dona Flor e seus dois maridos, baseado na obra de Jorge Amado, deu beijinhos no rosto dela e voltou para o carro contente.

 

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