terça-feira, 3 de dezembro de 2024

 

Montes Claros

 

Montes Claros, uma cidade plural. Ítalo guardava da capital norte-mineira uma lembrança inesquecível das suas férias de infância. Ele não se esqueceu, pulava da cama, feliz, e percorria a madrugada numa viagem sem fim, até que, ao longe, nas montanhas, se delineava uma paisagem repleta de pontos luminosos. Era a metrópole. No entanto, agora era revisada para atender a interesses de gente grande. Veio com o irmão, que tinha a tarefa de negociar alguns terrenos que o pai tinha recebido como pagamento de uma dívida. Não estava mais em busca de novidades ou descobertas como antes, mas de outros interesses.   A magnitude do trem de ferro, o sabor do sorvete de coco queimado, o odor de café com leite e pão amanteigado que permeava as manhãs, o cheiro de brinquedos de plástico, a beleza das praças, o ruído do lambe-lambe, a melodia do carro do leiteiro, a encanto do cinema e da televisão, tudo isso persistia na memória de um garoto perdido no tempo. O irmão, Tom, recém-graduado, aspirava a uma ascensão profissional, enquanto ele, já estabelecido, buscava companheirismo apenas.

- Eu soube que o pai já tinha lhe dado anteriormente – disse Tom.

- Não consegui vender na ocasião, agora é sua vez, Tom.

Tom iria à prefeitura para resolver a situação fiscal do terreno. Assinaria um acordo de compra e venda com um comerciante da região. Na rapidez do irmão, ao dialogar com um despachante, tudo se resolvia num tapa. Posteriormente, não fariam nada, revisariam alguns pontos que já não existiam mais.

Ele se concentrou mais nas questões culturais locais do que nas sofisticações modernas. Foi notável a diferença entre eles ao almoçar, em restaurantes com gostos diferentes, mas situados no mesmo calçadão. Um preferia carne de bode, maxixe, pequi e feijão fradinho, enquanto o outro preferia estrogonofe e maionese. Tom finalizou o prato especial no local e aproveitou para visitar o restaurante onde Ítalo, serenamente, saboreava um bode.

- Você agora se rendeu – disse a Tom, aproveitando que ele puxou uma naco de carne do seu prato.

E acrescentou:

 – Pode se servir. Está delicioso o bode – arrematou sorrindo para o irmão branco.

- Também você já fez seus gostos de menino, não é?- disse fitando os pacotes de compras sobre a mesa.

- Comprei livros e discos, chupei um picolé no banco da pracinha Coronel Ribeiro, passeei pela rua Tiradentes, vi um prédio novo no local da pensão de tia Preta – disse Ítalo com nostalgia.

- Essa Praça Coronel Ribeiro parecia que era um mundão, né?

- É. Sentado num banco, engraxei meus sapatos, senão eu não “vim a Montes Claros”.

Depois se voltou com sede:

                        - É, mas estou querendo ir lá à rua das meninas, Tom, senão a gente não veio a Montes Claros.

- Pirilampos? Dizem que o nome é este.

- Então é pra lá que vamos – disse Ítalo para encerrar o papo.

            A cidade, saboreada em seus pontos de remoto desejo, por se encontrar numa

            outra fase, proporcionava uma perspectiva diferente. Ítalo sentia que ainda vibrava no corpo a inquietude de segredos juvenis.

- Vamos lá nas meninas marcar presença senão não viemos aqui, Tom – insistiu Ítalo.

                        Entendia essa sua inclinação para ser o guia, o vigilante, e sabia que logo seria orientado por Tom para satisfazer esse anseio, assim como aconteceu quando recebeu do seu irmão mais velho o picolé de amendoim na infância. Contudo, por outro lado, lhe causava angústia a ideia de ter negado suporte durante sua formação em judô.

            - Que que você está rindo?

            - De quando você recebeu a medalha de bronze no judô.   

            - Ah, época de ginásio, que você nem quis ir comigo e depois fez a maior

gozação?

            - Tenho a maior arrependimento disso, Tom. Você era um menino legal.

            - Coisa passada.                                          

            Achou uma garota do tamanho exato de sua expectativa:

            - Vou querer aquela ali. Tenho que combinar.

- Eu vou combinar pra você. Ela é bonita mas está com um cara que deve ser o namorado.

            Ítalo percebeu que Tom estava com níveis mais altos de álcool, quando

começava a se exaltar, nessa onda de monitoramento.

 

 

 

            - Ela topou, nas tenho que ficar de olho no cara.

            Como se vivesse num clima de terror, sob os seus cuidados. Ele seria o herói

nesse lance de amor contratado.

            - Prazo de validade: uma hora.

            - Suficiente.

            - Então vá lá – deu um tapa nas costas do irmão mais velho antes de Ítalo

envolver a moça num abraço e subir as escadas.

            E Tom, se Ítalo bem conhecia o irmão mais branco, ficaria ali na retaguarda,

dando garantia  e de olho  entre o relógio e o carinha, despachado à porta de saída.        

 

 

 

 

 

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