Advogado de filho é a mãe
Deu-se
que o menino foi preso. O menino vírgula, que pela lei menino não pode ser
preso. Não pode mas acaba indo, como se sabe. Mas muitas vezes menino é modo de
dizer, que para os pais e esse povo mais velho os filhos continuam meninos para
o resto da vida. Tais quais Pedrinho e Narizinho do Sítio do Pica-pau
Amarelo. O nosso amigo Marão, por
exemplo, que tem idade para ser avô, é até hoje chamado de “Nenén” por suas
irmãs mais velhas. Imagine só. Dr. Valdemar, irmão mais velho coisa de um ano
ou dois, é que é chamado de “O Menino”.
“O Menino” e “Neném”. Mas vamos ao caso.
Dona
Rosilda tinha tomado um banho, meio apressada, posto um vestido decente. Desses
de ir tirar filho da cadeia, se é que, ao que parece, isso existe - vestido de
tirar filho da cadeia, e, ajeitando-se com uma bolsa debaixo do braço, que deve
fazer parte, ia em marcha firme, indiferente ao que em volta havia, para cumprir
sua missão. O que havia em volta?
Vizinhos, amigos, curiosos. O filho de dona Rosilda estava preso. Cidade pequena e pacata, sabe-se como é que é.
-
Dizem que só advogado, que por aqui não se resolve não – era o cometário.
Um
carro ali chegava, providenciado para ir até a Comarca de Guanambi em busca de
um advogado.
-
Um não; dois, que meu filho não vai ficar mais que um dia na cadeia! - quem
assim dizia, nervoso, era Carlitão, o pai.
Dona
Rosilda nada dizia. Ia, por sua conta, resolver a questão. E era ali mesmo em
Candiba. Nada de advogado de Guanambi. E nada de procurar prefeito para dar
jeitinho. Filho dela não ficava na cadeia de maneira alguma. Onde já se viu?
Pois qual.
Uma
parte da molecada apostou mais em dona Rosilda e a seguiu até a Delegacia de
Polícia. Cá, Carlitão e os demais homens ficaram meio indecisos, se viajavam ou
não para Guanambi ou se esperavam mais uns minutos.
-
Calma, Carlitão. O caso é sério. Mas vamos aguardar dona Rosilda de volta,
coitada. Afinal, é mãe, mulher não entende. Depois a gente ruma pra Guanambi.
-
Eu já disse: filho meu não fica na cadeia não. Não sou cachorro.
Chamaram
o médico. Carlitão relutou bastante, mas resolveu tomar um tranqüilizante. Daí
a pouco, quando já se recomeçava com manobras, volteios, arrumações e
despedidas, para ir até Guanambi, olhe lá quem desponta, molecada à frente em
comemoração: dona Rosilda com cara de mulher retada trazendo à mão o menino,
deixando-o entregue a parentes e vizinhos, admirados, como quem apenas tinha
ido ali e voltado já, pois que tinha ido
buscar maracujá, como se diz na cantiga de palhaço, e foi para dentro trocar de
roupa e voltar a varrer o quintal, como de
costume, que já se passava das horas.
Agora
esse renhenhén que dura até hoje. De se saber qual foi o argumento jurídico
utilizado por dona Rosilda para tirar o filho da cadeia, pois que o caso era de
se resolver só através de advogado. Mas
não sabem todos que mãe é advogada de filho? Se deixar, não perde uma questão,
e advogado mesmo que vá procurar um outro meio de vida. Passado tanto tempo, me
contou o então delegado que dona Rosilda, cabeça erguida, pronta para qualquer
parada, sacudindo a sua bolsa, tinha chegado até a Delegacia de Polícia toda
despachada:
-
Cadê o menino?
-
Que menino, minha senhora?
-
Meu filho: Carlito de Souza Santos Filho. E o senhor não vai soltar ele não?
- Não posso,
minha senhora, isso é lá coisa pra Justiça, com advogado e tudo. Quem sou
eu?...
- Pois manda todo mundo sair, por favor, que eu
quero falar com o senhor em particular.
Saíram escrivão e policiais, ficando dona Rosilda à
sós com o delegado “calça curta”. Mesmo assim, ela preferiu falar ao ouvido:
-
Tá me ouvindo bem, Chico
Delegado?
- Estou, minha senhora.
- Pare
com esse negócio de “minha senhora” e deixe de ser descarado, ou você solta o
menino agorinha ou eu vou contar pra Carlitão, meu marido, quando lá em casa
chegar, que você vive me pegando direto, entendeu?
Só se ouviram os gritos de Chico Delegado:
- Carcereiro! Carcereiro!
Terminando o causo, eu lhes pergunto: vocês
conhecem a ignorância dos braços de Carlitão?
Adorei essa! e o que mais gosto nos escritos de Nei George é o duplo sentido.
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