Bem
como assim?
Uma das coisas boas da
Bahia é que todo o mundo tem pelo menos um parente que mora em S. Paulo. Bom
também para a terra dos Bandeirantes ter lá os seus baianos. Não ia ficar bem
mandando buscar só italianos, japoneses, espanhóis e etc., para se tornar a
potência que é. E olhe que nem precisou mandar vir buscar gente no Nordeste.
Aqui mesmo a turma se ajeitou num caminhão velho e pronto. Num deles foi até um
menino, desses que comiam terra, que adiante se tornaria presidente do Brasil.
Aliás, vale aqui o
registro, devemos, em muito, por isso, agradecer aos imperadores D. Pedro I e D. Pedro II, que cuidaram de diminuir o
território da então província paulista, criando a do Paraná e ampliando a do
Mato Grosso, pois que os paulistas, impulsionados pela força do café e da
industrialização, como irmãos ricos, sempre ensaiaram briga por autonomia. E
aí, já pensou?, para a gente chegar lá seria exigido passaporte.
Fui longe. Mas tudo isso
porque me lembrei de um episódio, em que se deve ter certa atenção com relação
a versão dos fatos. Zeduardo, fazia tempo, não via o pessoal de um seu tio-avô conhecido
por Maciel. Ele havia se mudado para S.
Paulo com a família, papagaio, gato e cachorro, isso no início dos anos
setenta, até que se bateu com Elvira, uma das filhas. Tinha chegado à Bahia
para uma breve visita. Sabia que o velho não estava bem, mas Zeduardo, seguindo
o costume, para começar a prosa, quis saber de todos:
- E o tio, Elvira?
- Ah, o velho tá bem, uma
maravilha – rasgava-se em sorrisos.
- E a tia, parou mais de
ir aos médicos?
- Ah, a mãe tá bem, uma
maravilha – respondia com um sorriso que fazia luzir nos olhos a enormidade do
otimismo.
- E os meninos, Elvira?
- Ah, os meninos tão bem,
uma maravilha. O Zezinho teve aquele problema de separação mas tá bem. O
Paulinho tá bem, ajuda pai nos negócios. O Juninho tá bem, trabalha numa grande
empresa, ajuda todo mundo...
- Casou?
- Não, mas tá bonito, um
cara legal. Ah – mantinha estampada a alegria –, o Juninho se candidatar a
deputado estadual lá no bairro é capaz de ser eleito, de tão legal que é.
- E Mira, a caçula? saiu
daqui pequenininha...
- Ah, a Mira – os olhos
brilhavam –, a Mira tá linda que só vendo, uma maravilha.
Dias depois, Zeduardo
encontrou com Lourinho, que de vez em quando ia a S. Paulo ver os pais que
resolveram por lá ficar.
- Ah, Lourinho, encontrei
com Elvira, rapaz. Me falou que tio Maciel tá até bem lá em S. Paulo.
- Bem como assim, hein,
Zé? – estranhou Lourinho, mas com tranquilidade, retirando os óculos, como que
pronto para dizer algo sério.
- Sei lá, ela falou que o
pai tá bem...
Lourinho, terminando de
limpar as lentes dos óculos com a fralda da camisa, ergueu o queixo:
- Quieta, Zé, meus pais
moram lá perto. Como é que um homem que vive na cama e não conhece mais ninguém
tá bem?
- É, pode ser por causa
desse lado de ser tudo pra frente que eles têm, mas ela me falou que a tia
parou mais de ir aos médicos e que tá bem.
Lourinho, no mesmo ritual:
- Bem como assim, Zé? A
tia quebra qualquer plano de saúde com essa mania que ela tem de fazer exame.
- Disse que o Zezinho só
teve o problema da separação mas que tá bem.
- Bem como assim, Zé? Qual
a mulher que ia aguentar aquela cachaça de Zezinho?
Restavam os outros
meninos. Mas Lourinho, pelo visto, enxergava um outro lado. Ainda sim, preferiu
dar prosseguimento:
- E Paulinho, Louro?
- Que qui tem o Paulinho?
– se aprontava para um resposta.
- Ajuda o velho nas
cobranças dos aluguéis e tá bem, foi o que ela falou.
- Bem como assim, Zé?
Paulinho ficou inutilizado no jogo e é só com isso que mexe.
- Ela falou também que o
Juninho tá bem colocado na empresa, que é um cara legal e que se candidata a
deputado estadual é capaz de ser eleito.
- Aí ela falou a verdade:
Juninho é um cara gente boa, ajuda muita gente no bairro e, cá pra nós, se ele candidatar, eu não digo a deputado,
mas a vereador pode até ser eleito com tranquilidade.
- Ah, Louro, até que
enfim...
- É, mas você tá sabendo,
não é?
- De quê?
- Quieta, Zé, nada contra,
mas Juninho é gay, pombas.
Ainda bem que, conforme
ele havia dito, tio Maciel já não conhecia mais as pessoas.
- Falta Mira, que ela me
disse que está muito bonita.
- Bonita não: linda –
falou Lourinho sempre. Mas você está
sabendo, não é?
- Que porra é essa agora,
Lourinho?
- Quieta, Zé, Mira virou
garota de programa, cara.
Como se pode ver, bom que
se tenha parente morando em S. Paulo, desde que não seja próximo a casa dos
pais de Lourinho, que de vez em quando ele vai até lá em passeio.
01.01.2013
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