sábado, 20 de abril de 2013

Verão de 81


Verão de 81



Lugar: Salvador/Bahia. Época: verão de 81. Poder-se-ia acrescentar a ocasião: Festa do Rio Vermelho.
Todo mundo estudante, a gente mal podia chegar ao Farol da Barra. Mas a festa era no Rio Vermelho. E naquele dia havia chegado uns amigos. Estudantes em Belo Horizonte. Mas da cidade de Candiba. Inclusive parentes. Questão de honra. Poderíamos, quem sabe, ser depois bem recepcionados em Belo Horizonte. O entusiasmo falava mais que o bolso. Assim, curtir aquela festa não era coisa de muito sacrifício. Morávamos no Campo da Pólvora. Naquele dia, apareceu também no apartamento o amigo Léo. Era da Marinha Mercante. Vez por outra, estando seu navio em Salvador, costumava nos fazer uma visita. Apesar de carioca, tinha certa afinidade com a família por ter avós Candibenses. Coisa do tempo antigo. Sissi de tia Morena, esperto, teve a idéia:
- Bicho, Léo tá aí.
        - E daí?- perguntei.
- Temos moral, pô. É só você pedir o carro emprestado a sua tia na presença de Léo, que a gente vai curtir no Rio Vermelho.
Minha tia era Edna, que morava conosco. O carro era um fusquinha que ela havia adquirido naqueles dias com a ajuda de Osvaldo Dantas, seu pai, e a poupança que mantinha após o emprego recente.
- Você é maluco, Sissi?! Nem se Osvaldo Dantas mandar.
Malandro velho. Sissi foi firme:
- Vai por mim, porra; Léo tem a maior moral quando vem a sua casa.
Resultado: um fusquinha se dirigia ao local da festa com toda turma. Estávamos eu, Sissi, Lucivaldo, Léo e Bié, e toda recomendação de tia Edna.
Gente, carros, luzes e barracas; o som rolando naquele verão de 81. Por recomendação de Sissi resolvemos deixar o carro um pouco distante do local, numa ruazinha enladeirada (nenhuma novidade em se tratando de Salvador). Quando prosseguimos o resto do caminho à pé, inda voltei para trás e verifiquei que o bichinho estava ali bem estacionado e seguro, numa rua aparentemente morta.
Antes de escolhermos a barraca da cervejada, Sissi, o entendido, lembrando-se da recomendação de tia Edna, disse que eu era meio simples e que era melhor deixar a chave do fusca na tiracolo de Léo. Aliás, tiracolo naquela época ainda era moda. Eu também tinha a minha. Como todos apoiaram Sissi, eu não quis contrariar e dei a chave do fusca a Léo. E toma-lhe cerveja. Som, cores, o tempo fluindo sob o toque mágico da festividade do verão.
Foi ainda com o escuro que procuramos voltar para casa. Subimos a ladeira e constatamos felizes que o nosso carrinho se encontrava no mesmo local. O problema foi a chave. No meio da festa, todos cervejados, Léo havia se despedido e fora pegar um táxi até o porto, pois o navio sairia naquele horário. Culpamos Sissi, filho da mãe; a chave deveria ter ficado comigo mesmo.
- Faz ligação direta, porra – disse e se dirigiu à padaria que se abria em frente para tomar mais uma cerveja.
Foi uma trabalheira. Era impossível abrir a porta travada com o vidro suspenso e quebra vento fechado. Mas o santo dos boêmios veio em socorro. Forçamos um pouco o vidro e conseguimos enfiar o braço e abrir a porta. Pequeno dano. Lucivaldo improvisou uma chave de fenda: uma tampa de garrafa amassada. Bié já dormia na sarjeta ao lado. E acordou num grito ao ouvir o ronco do motor. No momento a gente tinha feito a ligação direta e acionava a ignição com um palito de picolé. Sissi pagou apressadamente a cerveja e veio correndo com o sorriso escancarado. Todos no fusca, não pudemos romper mais que um metro. Naquela operação mecânica a direção ficara travada.
Sissi voltou para a cerveja. Bié se ajeitou no banco traseiro e começou a roncar e peidar. Saímos eu e Lucivaldo à procura de um mecânico. Vasculhamos inutilmente as ruas do Rio Vermelho: as poucas oficinas e encontravam fechadas. Retornamos. Sem graça, sentamos ali na calçada vendo o sol invadir o dia, até que na casa ao lado saiu um rapaz ainda bocejando.
- Ô amigo – gritou Lucivaldo, – sabe onde podemos arrumar um mecânico?
- Qual é o problema? Eu sou mecânico. Olhe a placa aí ó – e apontou. Era no local em que se encontrava o fusca e a gente nem tinha dado por isso.
Entregue o caso ao mecânico para destravar a direção do carro, fomos, no horário em que se toma café com leite e pão ajudar Sissi a esvaziar mais cervejas. A essa altura a cidade já retomava a sua rotina normal de trabalho.
Serviço bem feito, ligação direta o fusca estava pronto para seguir viagem de volta. Lá teríamos que dar uma explicação a Edna. Mas isso Sissi tirava de letra. O chato foi ter que deixar as carteiras de identidades com o mecânico, pois o dinheiro curto Sissi tinha estourado na padaria com cervejada.
Ensaindo o discurso que devia ser feito para explicar a Edna a questão do fusca, Sissi tocou a campainha. Nós mais recuados. Quem vem abrir a porta do apartamento? Quem? Sonia Braga? Caetano Veloso? Não. Quem veio abrir a porta foi Léo. O filho da mãe havia perdido o navio e no mesmo táxi retornara e ali encontrava tomando café da manhã com os meninos, Dedê e Juninho, pois tia Edna já estava no seu trabalho.

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