sábado, 3 de agosto de 2013

A Menina Carente do Século 21


A Menina Carente do Século 21
                     
       

Dir-se-ia tratar de uma rapariga tipo qualquer, dessas que entram num boteco cheio de homens para pedir.  Isso numa visão de lampejo hipócrita, porque logo, quando, pedindo ajuda na porta, junto da qual me encontrava, ela decidiu entrar e sentar-se numa das cadeiras vagas à mesa de um dos presentes, cuidei fosse mesmo uma menina de bairro afastado que acabara de ser vítima de algum malfeitor em dia de movimento ali no centro da cidade. Podia até ser filha ou sobrinha de um conhecido nosso.

Não esbocei nenhuma pergunta, porque, de pronto, as flechas indagadoras e assistencialistas se lançaram por conta dos demais frequentadores cinquentões, deixando que a dona do comércio, que, em caso que tais, costumeiramente batia o martelo para expulsar “esse tipo de gente” do seu estabelecimento, ficasse como uma espécie de Joaquim Barbosa, Presidente do STF.  Assim procedia dona Rosinha, como que em suspenso com o pano de enxugar mesa na mão, no seu átimo contido de também querer limpar o recinto, esperando o desenrolar daquela visita desesperada, ou melhor, o desembuchar da visitante.

- Fale, minha filha -  pediu o que estava mais próximo.

A garota tentava responder mas tropeçava nas palavras como que meio embriagada ou sob efeito de um choque muito sério.

Observei manchas de terra em suas costas, o que me levou a supor que ela teria caído no chão num acidente ou coisa parecida.

- Quer um copo d”água? Traz água aí pra ela, Rosa...”  - gritou Mauro Baixinho, que parecia ter tido a mesma observação, como que tomando frente nos primeiros socorros.

Por fim, algo compreensível foi pronunciado pela garota:

- Não, não quero água.

- Comida. Quer comer alguma coisa? – outro veio de lá como se tivesse sacado o problema.

Não, também não estava com fome. Tinha problema de epilepsia, ia começar a dizer, mas alguém, mais que de imediato, a interrompeu com a proposta de levá-la em casa, no que ela recusou, prosseguindo na tentativa de explicar com dificuldade o que realmente a afligia.

A menina virou o rosto para Mauro, ocasião em que vi de forma mais nítida o seu drama, em meio a lágrimas, pouco se importando com possíveis machucaduras de alguma queda que sofrera mas como se tivesse perdido pai ou mãe - foi o que imaginei – e então, como se implorasse, fez  o pedido:

- O senhor tem um celular desse pra me dar? – apontou para a mesa de Mauro.  - Eu perdi o meu quando caí... – explicou-se ainda aos prantos e, vendo-se desiludida, diante do ufa! da expressão geral da atenta plateia, assim como havia entrado, levantou-se e saiu para confundir-se no fluxo da rua, como se tivesse perdido a razão de viver. Para sempre.

Não era uma rapariga, no sentido brasileiro, como se presumira à primeira vista; apenas uma menina carente do século 21.


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