A
Menina Carente do Século 21
Dir-se-ia tratar de uma
rapariga tipo qualquer, dessas que entram num boteco cheio de homens para
pedir. Isso numa visão de lampejo hipócrita,
porque logo, quando, pedindo ajuda na porta, junto da qual me encontrava, ela decidiu
entrar e sentar-se numa das cadeiras vagas à mesa de um dos presentes, cuidei
fosse mesmo uma menina de bairro afastado que acabara de ser vítima de algum
malfeitor em dia de movimento ali no centro da cidade. Podia até ser filha ou
sobrinha de um conhecido nosso.
Não esbocei nenhuma
pergunta, porque, de pronto, as flechas indagadoras e assistencialistas se
lançaram por conta dos demais frequentadores cinquentões, deixando que a dona
do comércio, que, em caso que tais, costumeiramente batia o martelo para
expulsar “esse tipo de gente” do seu estabelecimento, ficasse como uma espécie
de Joaquim Barbosa, Presidente do STF. Assim
procedia dona Rosinha, como que em suspenso com o pano de enxugar mesa na mão,
no seu átimo contido de também querer limpar o recinto, esperando o desenrolar
daquela visita desesperada, ou melhor, o desembuchar da visitante.
- Fale, minha filha - pediu o que estava mais próximo.
A garota tentava responder
mas tropeçava nas palavras como que meio embriagada ou sob efeito de um choque
muito sério.
Observei manchas de terra
em suas costas, o que me levou a supor que ela teria caído no chão num acidente
ou coisa parecida.
- Quer um copo dӇgua?
Traz água aí pra ela, Rosa...” - gritou
Mauro Baixinho, que parecia ter tido a mesma observação, como que tomando
frente nos primeiros socorros.
Por fim, algo
compreensível foi pronunciado pela garota:
- Não, não quero água.
- Comida. Quer comer
alguma coisa? – outro veio de lá como se tivesse sacado o problema.
Não, também não estava com
fome. Tinha problema de epilepsia, ia começar a dizer, mas alguém, mais que de
imediato, a interrompeu com a proposta de levá-la em casa, no que ela recusou,
prosseguindo na tentativa de explicar com dificuldade o que realmente a afligia.
A menina virou o rosto para Mauro, ocasião em que vi de forma mais nítida o seu
drama, em meio a lágrimas, pouco se importando com possíveis machucaduras de
alguma queda que sofrera mas como se tivesse perdido pai ou mãe - foi o que
imaginei – e então, como se implorasse, fez
o pedido:
- O senhor tem um celular
desse pra me dar? – apontou para a mesa de Mauro. - Eu perdi o meu quando caí... – explicou-se ainda aos
prantos e, vendo-se desiludida, diante do ufa! da expressão geral da atenta plateia,
assim como havia entrado, levantou-se e saiu para confundir-se no fluxo da rua,
como se tivesse perdido a razão de viver. Para sempre.
Não era uma rapariga, no
sentido brasileiro, como se presumira à primeira vista; apenas uma menina
carente do século 21.
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