domingo, 6 de outubro de 2013

A última Eva

 


Naquele tempo ainda se amarrava cachorro com lingüiça. Tanto que Quinca acabou acreditando na história boba de que mulher ia acabar. Correu e foi casar com uma filha de seu Leonildo Pereira. A menina nem seios lhe pareciam ter nascidos direito.

Branquinha, fraquinha, ainda meio encolhidinha dentro de casa, na cozinha, e com pouca promessa de que pegaria algum corpo de moça. Quinca com aquela cara vermelha pontilhada de espinhas e cravos; a donzelice estampada naquele comprimento de menino graúdo.

Moravam quase vizinhos. Naqueles dias andaram trocando alguns olhares. Ela num relancear ligeiro de olhos de lagarto, e Quinca querendo alguma coisa forte que não sabia bem como resolver.

Um dia quando quase todos do povoado se encontravam na missa, fez-se ouvir de repente o rumor de cadeiras quebradas e riscos de faca no chão. Muito se passou até o esclarecimento final. Um arrastar de passos logo em seguida e, finalmente, o cerco para apurar o fato. Lá no meio do salão da igreja, com uma peixeira na mão e baba pendendo de um canto da boca, ele, Quinca, para surpresa de todos.

- Quem mexeu com ele? - perguntava-se.

De um lado vinha alguma explicação:

- Pelo que sei ninguém buliu com ele não. Coisa dele sozinho.

Os parentes de Quinca se aproximaram:

- Que qui foi, Quinca? Com quem você brigava?

- Com ninguém - respondeu mais calmo Quinca.

- Ué, e para quê essa arruaça toda? – perguntou o pai com tom de voz entre enérgico e ao mesmo tempo camarada, buscando não atordoar mais o filho.

Quinca baixou o rosto como se fosse chorar e, bruscamente, ergueu-se, dedo em riste:

- Eu quero é casar com aquela menina ali.

Todos se voltaram para Ritinha de seu Leonildo, feinha, mas novinha, encolhidinha, como um passarinho assustado.

- Ué, moço, e precisava disso tudo? A gente podia conversar com o pai da moça... – ralhou o pai de Quinca.

E o casamento foi realizado dali a alguns dias. Para o jovem casal, a família havia providenciado uma casinha modesta ali no povoado. Quinca parecia guardar consigo o contentamento de uma grande descoberta que há muito lhe era ocultado pelos adultos. Então era isso?! Então era assim?! – ficava matutando. Era o tempo todo no grude com a mulher. Os vizinhos já olhavam para a sua casa com olhar de censura. Algumas velhas, dessas igrejeiras, chegavam a se benzer quando os via.

Os dois corriam pelo quintal, um atrás do outro, entre gritos e sussurros, feito amor roxo de gato, para depois, lá para dentro, consumarem o ato em gritos derradeiros. “O menino” não cuidava mais do trabalho no campo, ou, quando, vez por outra, montava a cavalo para arrebanhar o gado, parava e ficava deitado ao longo do animal se tivesse que conversar com alguém, tal era o desgaste.

Reparava-se, por outro lado, que Ritinha também estava só o caco. Quando se avistava Quinca de longe era o mesmo que ver um pé de laranja coberto de pulgão. O comentário corria solto no povoado.

- Não vê que esse menino tá doente?! – reclamava a mãe de Quinca.

- A menina está se acabando! – reclamava também a família da moça.

Nada, porém, parecia conter a fúria amorosa dos dois. Quinca já dormia com o passarinho na casinha. Roncava um pouco. E quando, lá pelo meio da noite, lembrava que a vida prosseguia em canto de pássaro, ele então recomeçava toda aquela fúria.

A coisa chegou a tal ponto, que as duas famílias se reuniram para uma decisão. Foi assim que, a conselho médico, os dois tiveram que se separar. Pelo menos por alguns meses, até a recuperação da saúde. Tudo só se tornou possível quando Quinca descobriu que essa conversa de que mulher ia acabar era história e que já não se amarrava mais cachorro com lingüiça.


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