quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Zeca Bahia e o Menino



Hoje, por força do capitalismo selvagem, do estímulo ao consumismo, à alienação, o que deve se destacar - e aí entra a grande mídia - é o culto à imagem, à aparência, ao individualismo, ao ter e ao mau gosto em tudo, porque atinge as massas, daí, por via de consequência, com esses valores, o aumento da violência.

É horrível o que se chama de música popular que se divulga hoje em rádios e tevês. Se você quiser fugir disso tem que se valer de seleção feita na internet. Se os ouvidos eram para ser educados, ao contrário, foram deseducados de tal forma que você pode ser motivo de vaia ao passar uma música de boa qualidade em certos ambientes. Tanto que uma canção como a do rei Roberto Carlos, como Esse cara sou eu, eles, em vez de ouvir no original, com boa orquestra, a preferem de forma bregueada, com a voz ridícula de um cantorzinho qualquer, acompanhado por uma bateria eletrônica, numa altura que ultrapassa a capacidade do alto-falante. Chega-se ao ponto, nessa alienação, de se criar um tal campeonato de som automotivo. Quer dizer, a música é o que menos importa. Letra, quanto mais ridícula melhor. Geralmente é para vulgarizar o sexo e ridicularizar a mulher. E a própria mulher, no seu início de exercício de independência, no geral entra nessa.

Tudo isso para lembrar um episódio ocorrido na região. O grande cantor e compositor Zeca Bahia, de nossa admiração, pelas belas canções, conhecidíssimas na voz principalmente de Jessé (Porto Solidão) - vencedor em Festival da Globo, e de Fagner (Ave coração), encontrando-se por acaso em Guanambi, falei com o então secretário de Agricultura e Meio Ambiente, organizador de uma festa no Parque de Exposição Velho Tico, em Pindaí, isso no mandato do então prefeito Dr. Valdemar da Silva Prado, para incluí-lo na contratação dos artistas.

- Dá certo não, Nei; nós é que gostamos da música de Zeca – respondeu-me o saudoso Marão, secretário.

Mas a gente queria também Zeca. Tudo bem. Zeca, no pacote do contrato, fez a sua apresentação, para curtição nossa, depois vieram as ... Zeca desceu do palco e procurou nossa mesa. Um menino ficou olhando para Zeca, que tinha acabado de se apresentar. Ante o olhar indagador de Zeca, o menino lançou essa que resume tudo:


- Ei, por que você só canta música de velho?

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

“Rolezinho” dos anos 70



Deviam existir duas ou três bicicletas de criança na cidade. Uma era a dele, que o pai trouxera de presente numa viagem que fizera a negócios. Era o lance. Todo mundo na praça onde morava querendo uma “voltinha”. Havia tantos moleques em redor que, comparando, seria hoje uma espécie de “rolezinho”.

- Só uma voltinha.

- Não.

E ele desfilando em duas rodas, bonitinho; os meninos iguais aos meninos pobres de que fala o poeta Manuel Bandeira em seu poema Balõezinhos desejo e espanto.

Aquele ajuntamento de meninos. Nada. Até que apareceu Telma pedindo também uma voltinha. Diferente. Mas disse: “Não”. Telma falou em separado umas coisas:

- Se você deixar eu dar uma voltinha eu me encontro com você.

O que era isso? Diferente mesmo. Só quem tinha isso de encontro era adulto. Queria entender. E então Telma saiu montada em suas duas rodas para espanto e protesto dos moleques:

- Por que você não deixou a gente e deixou essa menina?

Tinha amadurecido naquele momento sem saber. E não sabia mesmo.

Depois que esmerilhou a bicicletinha pelos quatro cantos da cidade, Telma veio devolvê-la já um pouco avançado de horário, sem quase nenhum componente do agora chamado “rolezinho”, mas ele ficara ali pacientemente esperando por causa daquela conversa.

- Pronto. E você quer marcar o encontro pra onde?

Não entendia dessas coisas. Mas, homem, tinha que agir:

- Na garagem lá de casa.

Foram. Os adultos conversavam na sala; eles eram menino e menina.

Não sabia como era “encontro”. Então se lembrou de quando saia com os meninos para caçar passarinhos pelos arredores da cidade  e tinha visto uma figura conhecidíssima como “raparigueiro” com uma mulher no colo. Devia ser assim – pensou.

- Senta aqui – e ela, de shortinho, sentou-se em seu colo, e assim ficaram por um certo tempo, abraçadinhos, pois que foi até aí a lição. Mas já estava ficando tarde para crianças, e então perguntou: - Amanhã você vem de novo?

- Venho.


Está até hoje esperando. E os meninos do “rolezinho” daquele início dos anos 70?

domingo, 19 de janeiro de 2014

A menina dos olhos





Ela, após a aula, chegou até a sala dos professores, a propósito de tirar alguma dúvida. Mas não havia dúvida; havia certeza, desde quando fizera chamada nominal, quando a tinha visto num entrecruzar de olhos. Que olhos os dela! Era só confirmação. Tanto que a questão exposta ambos sabiam mero pretexto. Energia. Pura química. A jovialidade latente e a busca da experiência de quem fala fácil e de coisas por descobrir.

Apenas uma garota. E era a vida latente. Um encontro do que se iria completar em realização, um braço que o retiraria da floresta dos homens em redescoberta.

Tinha se prontificado - escrever no quadro o que o professor ditava, com letra bonita, que o professor confessava não ter caligrafia. Os olhos, primeiro plano. A voz: “Professor”. O resto nem se fala. Era um primeiro dia de aula. Um primeiro dia do que se tornaria para sempre.

Fosse cinema, haveria um fundo musical. A canção falaria por si só. Imagine agora somada à imagem. E ela: “Professor”. E o professor, conforme preparação, tendo que ter aquele controle de classe.

À saída do colégio a identificou em meio a muitas outras garotas a caminho de casa com o caderninho junto ao peito, e não era uma qualquer, se destacava - a menina dos olhos,  e então parou num bar, pediu uma bebida e, vendo-a passar na outra margem da rua, nesse momento, chorou. E choraria tempos depois.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O Roubo do Século




Hoje, graças a internet, trabalha-se mais em casa. O próprio Tribunal de Justiça da Bahia está implantando esquema eletrônico, que vem pegando os advogados velhos, como eu, que venho da época da máquina-de-escrever, que para passar para o computador foi uma luta, com as calças na mão. Isso nada tem a ver e tem com o caso que vou contar. É que advogado trabalha com prazo – o que mata a gente se a gente não o matar. De forma que, final de ano, tendo que cuidar de agenda, Chupa-cabra nenhum me presenteou com antecedência, como era de praxe antigamente, com um calendário 2014 com foto de mulher pelada, santo, paisagem, e então tive que me valer da internet e imprimir um calendário 2014, para colocar na parede assim mesmo sem foto de mulher pelada, de santo e paisagem, até que me chegou às mãos uma “folhinha” 2014 com mensagem de Feliz Ano Novo e foto logo de quem? De minha querida irmã, Dra. Alécia Prado. Eu, fazendo minhas petições ou crônicas para o meu blog, no computador, mais que ligeiro, arranquei da parede o calendário frio, sem foto nenhuma, e coloquei lá a “folhinha” de minha irmã. Coisa linda. A mensagem e o calendário. Satisfeito. Meu ano ia começar bem. Mas, como eu recebo pessoas, que vêm para uma consulta ou mesmo para prosear, não é que, num início de trabalho de rotina, pela manhã, fui surpreendido pelo roubo?  Para mim, o maior roubo do século. (Um beijo, minha irmã, e quero outra “folhinha.”)

sábado, 11 de janeiro de 2014

Flauta doce


 
Para Vasco e Patrícia


Passeava montada em um cavalo. Fazenda do avô. Não se lembra agora da cor do cavalo nem de como era a vegetação, mas do short dela, nos seus vinte e poucos anos, do cabelo castanho ao enleio do vento e, ela levemente chicoteando o animal, do entrecruzar de olhos, quando ergueu-se para além do que se discutia. Ela era uma das herdeiras, na vaga do pai, falecido, que ali comparecia para a partilha do rebanho de gado deixado pelo velho avô. Gado que não acabava mais. Nem aí, diria depois, um dos tios, entendido, cuidaria de sua parte.

Passeava com estilo de menina de cidade que aparece no campo. Bom, viera ali como advogado de uma turma de herdeiros para o embate com outro advogado da turma dissidente, que a família não tinha assim uma união, e não para apreciar material estranho ao processo. Mas o clique fora feito.

Cabeça de gado para lá e para cá, para um e outro herdeiro, foi realizada a partilha, até que se deu por encerrada essa etapa, porque com relação a bem imóvel, a fazenda, isto já estaria nos autos, conforme o entendimento firmado. Hora de ir embora.

Ao ligar o carro, guardava consigo a imagem dela no cavalo de que nem a cor se lembrava, num jeans em destaque de pernas bronzeadas, e aquela jovialidade que parecia distante da sua esfera afetiva por impossibilidade jurídica da pretensão, até que, de súbito, apareceu-lhe à porta uma voz de flauta doce:

-  Vai pra cidade? Pode me dar uma carona?

Claro. Com um negócio daquele, iria até para... - mandaria depois explicações às famílias...

Deveria ser, por força de oficio, coisa natural. Estaria apenas dando uma carona. Mas e as pernas?

- Você não participou da partilha do gado. Seu tio João, não foi?

- É. Não entendo muito disso.

As pernas. Os cabelos. A jovialidade. As pernas. As pernas. Não tinha como não olhar.

- Solteira?

- Solteira, mas tenho um filho que tá com mãe. Tou sozinha em casa. Cê me deixa lá? É logo ali. Vou te ensinar.

Era caminho.

- Aqui.

Parou.

- Entre. Pego uma cervejinha no boteco ao lado.

As pernas. Os cabelos. A jovialidade. Uma cervejinha. Resolveu.

Casinha modesta. Sentou-se. E ela chegou com a cervejinha destampada apanhada do boteco ao lado, um copo e ainda ligou a tevê:

- Vou tomar um banho.

Foi-se. E ele na cerveja e tevê. Ela passando enrolada na toalha para o tal banho. De volta para se aprontar no quarto, porta aberta e com espelho de onde ele via as pernas sem o short. Que programa se passava na tevê nem se lembrava, em que se encontrava a quantidade do líquido na garrafa nem se lembrava. O espelho do quarto dela lhe mostrava um monumento e ele então tomou uma atitude.

- Demorou! Pensei que você não viesse mais não – disse  a flauta doce.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Morreu o grande cantor e .compositor NELSON NED. Em meu conto de março de 2013, SEGREDO, eu faço uma recomendação ao leitor, no sentido de que leia o conto mas que antes ouça sua música, TUDO PASSARÁ. (Vai com Deus, meu irmão)

domingo, 5 de janeiro de 2014

Sandra queria pipoca

Ela devia ter uns dezesseis anos. Tinha quatorze. Devia ser meio assim sem pai ou mãe. Tinha pais. Sandra era uma dessas. Não era. Nem conhecia as maldades da vida. Sandra acabou sendo estuprada e deixada num ermo, numa estrada.

Havia um carrinho de pipoca na ruazinha que dava acesso ao centro da cidade. Iluminação não tão precária assim, a menina não tão bem vestidinha se aproximou para adquirir um saco de pipocas, com coco ralado e um pouquinho de manteiga, sorriso de quem não demonstra experiência de convívio com as coisas da vida.

- Seu Zé, o pior que eu não tenho trocado; tenho 20 reais e quero a pipoca.

- Eu também quero um saquinho de pipoca. Cobre aqui o meu e o da menina.

Gente boa. Sorriu para ele em agradecimento.

- Um guaraná ali cai bem.

Ela assentiu. Um guaraná.

- Seu nome?

- Sandra.

Estava de short e tênis. E ele olhava muito para suas pernas. Mas parecia pessoa confiável.  Iria só terminar de comer a pipoca e tomar o refrigerante. Deu mais um gole.

- Vou-me embora.

- Espere. Eu te levo em casa.

- Não precisa, vou caminhando; é logo ali no bairro Buritis. Obrigada - despediu-se com a mãozinha de "até logo" cheio de pulseiras, dirigindo-se para a porta de saída naquele short  "jeans", cuja barra parecia ter sido feita, com aquelas pernas!..., com os dentes de um dos seus prováveis namorados. Sandra não tinha namorado. 

Sandra foi encontrada depois numa estrada estranha à sua rota, num amanhecer; pássaros riscavam os céus; ela não estaria mais diante do portão do colégio e o rádio comentava o episódio como apenas mais um dos casos que acontecem  no dia a dia.