sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A vez que Davi poupou Golias



Ele era o mais velho da turminha e vivia meio a um canto, como um dos alunos mais fracos. Do contra, ia sempre na contramão, no seu jeitão áspero, de criança criada sem pai. Mas descobri no desenrolar das aulas que ele não era tão ruim em desenho. Pelo menos isso. E passei a ser além de coleguinha de alfabetização, naquele ano de 1969, seu amiguinho lá na rua. Eu, o xodó da professora, melhor aluno; Davi, o estranho.

Um dia a professora riscou um sinal no quadro e foi perguntando aos alunos de um a um:

- Que sinal é aquele?

- Sinal de menos, professora.

- Fique ali.

Dirigia-se ao próximo:

- Que sinal é aquele?

- Sinal de menos, professora.

- Fique ali atrás de sua colega.

E assim foi que todo mundo ia dizendo “sinal de menos” e ficando em fila sem apanhar de palmatória. Restávamos eu, o cara, o gigante em notas, e Davi, o amalucado. Eu tinha certeza que o sinal escrito no quadro pela professora era o “sinal de mais” (+) mas como todos disseram que era o “sinal de menos” (-) e não tinha acontecido punição nenhuma resolvi acompanhar a maioria quando me chegou a pergunta:

- Sinal de menos, professora.

- Fique ali na fila.

Naquele tempo, só se ingressava no ginasial (atual 5ª. a 8ª. série) após aprovação no chamado curso de admissão. Só quando acabou com tal exigência é que Davi conseguiu entrar para o ginasial. A essa altura eu já me preparava para o segundo grau.

- Que sinal é aquele? - a professora perguntou, para o último, que era Davi.

- Sinal de mais.

A professora pegou a palmatória e entregou a Davi:

- Tome, dê um bolo em cada um dos seus colegas.

As crianças iam passando por Davi com a mão estendida para receber o bolo punitivo, que ele aplicava com força, e a fila ia andando até que chegou a minha vez, ocasião em que Davi apenas fez tocar de leve a madeira, numa palmatoada meramente simbólica: o Golias da classe lhe inspirava respeito e amizade - consideração recíproca que guardamos para sempre.

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