segunda-feira, 5 de outubro de 2020

6. Zé Vaqueiro, Cuscuz e eu

 


 

Zé Vaqueiro, o mito, esse cuja história, como vaqueiro dos antigos, o povo de Candiba conhece. Ainda que vagamente, porque o parque de Vaquejada local presta uma homenagem a ele. A profissão que exercia, comparando com os padrões atuais, de época e de profissão, pondo o ruralismo de lado e numa linguagem moderna, foi a de um freelancer, no estilo “carreira solo”.  Muito conhecido como profissional de confiança, de levar o rebanho de gado para distantes terras. Ele era um negro com uma taca de cavalo na mão, respeitado pelos serviços prestados, relevantes serviços, que andava encurvado pela idade avançada, sinal de haver carregado esse jeito com manejo profissional da mesura a contratantes e traquinagem nos ócios do ofício, se é que assim se pode dizer de alguém num fim de carreira, naquele início dos anos 60, que se afirmava como uma nova era. 

Pois bem, ele deixou como filha a professora Maria de Zé Vaqueiro. Mas não é dela que quero falar não. Quero falar é dele mesmo, como o conheci: um negro com essa taca de cavalo na mão, que faço questão de dizer, porque ele acabou usando-a sem nenhuma responsabilidade em uma criança que brincava comigo, igualmente negra, como ele, inclusive. E era de      bater em cavalo.       

Que fazia essa criança? Nada que nos padrões da época justificasse a taca. Porque lhe pedia uma banana igual a que ele me dera e não uma banana preta de tão madura. Cuscuz era uma criança mais espertinha que eu, mais crescida e mais velha, porém um negrinho que chegava a lustrar no sol, e, como suasse, adveio-lhe daí o apelido, sem maldade, de Cuscuz. Havíamos ajudado a tocar umas reses para um quintal por perto. Então ele quis nos presentear com umas bananas, que ele guardava de monte de cachos num quartinho do oitão da casa, num fim de rua da usina de algodão então no auge.

Ele me entregou umas duas bananas bonitas, amarelas com alguns pontinhos pretos, e voltou para apanhar umas para Josa, Josenilson, meu primo (tia Zeni criava) quando só se ouviu um grito de quem ralha com brabeza:

- Menino, essa daí não, gritou e desceu bruscamente a taca de cavalo no garotinho.  - A sua era essa, não tá vendo! – gritava, nervoso, entregando-lhe umas duas bananas pretas de tão maduras que estavam.

Imagine como me senti, assistindo a aplicação da lei de dois pesos e duas medidas, que muito ia vivenciar vida afora, naquela taca de cavalo desferida como corretivo numa criança.

Um comentário:

  1. Um episódio, um fragmento, fisgado pela sensibilidade de quem tem veia poética. Linguagem simples, texto conciso, mas belamente arquitetado

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