sábado, 18 de dezembro de 2021

Crônica da reinauguração da minha (in)dependência

 


     Resolvi fazer uma inauguração da reforma do meu escritório, no quintal de casa. Apareceram convidados. Digo apareceram porque, com filhos e netos morando em outra cidade, uma mulher que não fica em casa, não havia previsão certa de fãs. Assim, contentei-me com os acontecimentos naturais (lato sensu).

Sua excelência Negão, gato preto mais descolado do planeta, adentrou o recinto e ficou sobre uma almofada. Apareceu sua mãe Bruce (com sua mala de carregar filhotes), acompanhada do imão de Negão,  Beiija, que é branco, confundia-se com a mãe. Sem contar os novatos, Rildo e Rita, jovens gatos sensação do momento. Para pirraçar, Tiagão, um cachorro salsicha,  basset, posto para fora, mas soberano na sua arredia insignificância, com suas filhas cadelas de incestuoso relacionamento.

Nova tinta, novo piso, teto de gesso, estante com livros arrumados, mesa perto da janela lateral, que  achei de abrir, com direito ao  frescor da manhã de domingo e farfalhar de folhas; canteiro com terra fofa aguardando a grama, que  ainda não viera mas a esposa mandara mensagem para dizer que estaria a caminho.

Programado para breve o funcionamento de um serviço de café, espaço para uma máquina de preparo do nescafé e o chá mate leão como opção.

            Numa manhã assim, de calma, dava até para aparecer um vendedor de tapete, de nacionalidade portuguesa, como já ocorrera, e de novo falar admirado:

            - Lá para nós, daria para morar uma outra família.

Bom, não sabe ele que na verdade mora uma família. Acabo de criar minha (in)dependência habitacional. Ligo meus computadores e me conecto com o mundo. Viagem no tempo e no espaço. Escreverei minhas crônicas, meus poemas e lerei meus livros. De vez em guando minha mulher dará suas graças, como agora, nesta manhã, trazendo a grama que faltava. Saio na janela para ver e ergo o grito, de há muito guardado no peito, antes que a chuva faça sua saudação:

 - Independência ou morte!

sábado, 4 de dezembro de 2021

O café


1.

Aos cinqüenta e tantos anos,

depois de cachaçadas e raparigagens,

desci de meu cavalo alto.

 

2.

Arriei  malas

assentada poeira das imensas (in)certezas

de dias idos e vividos,

 

3.

para assoprar com você a xícara

do café de Barra da Estiva

tantas vezes apressadamente engolido

sem o mínimo de atenção devida.

 

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021