domingo, 20 de março de 2022

Tempo das manguitas

 conto: Um adolescente, tarado por manguita e pela dona do pé de manguita, vizinha de quintal.  Um dia Glauce, a vizinha, sabendo que ele estava só, entra na casa procurando por Vanda, irmã dele.

Havia no nosso quintal todo tipo de manga, mas a que a gente mais desejava, pelo menos eu, era a do vizinho. Uma árvore que se erguia frondosa, sombreava o quintal e o resto da vida. Parecia botar suas manguitas de fora em pontinhos amarelos e rosas.

Ainda era de se acrescentar: com o apetecimento que oferecia a garota da casa, de cabelos cacheados e fartura de coxas nos vestidos curtos que usava.

- Sobram pernas nesses vestidos que essa garota costuma usar, colhia, escondido, dos comentários maldosos ouvidos no Café que sua mãe, boleira, tocava na parte lateral da casa, quando ela passava perto sumindo lá para dentro.

  Ficava em divagações com a mancha rosa na fruta pedindo para ser mordida. Disputadíssima, estava claro.  

- Ela está quase de vez, dizia na ânsia da permuta, passando a manga rosa para as mãos de Preto, o vizinho parceiro, e recebendo  dele as duas tão almejadas manguitas maduras, que iam ser abatidas num só golpe de boca de um adolescente campeão de saúde e viril.

Negócio feito por cima do muro. Só uma vez alguém comentou:

- Você é besta: manga-rosa vale muito mais que duas manguitas.

Não entendiam. Aliás, ninguém. Mas bem que devia receber naquela troca era Glauce, a irmã, com aquelas duas toras de coxas morenas. Isso sim. Mordia-se a manguita no rosado bico e puxava-se o doce nos fiapos entre os dentes. E não adiantava nada -  com pouco aparecia a imagem da menina travessa com seu vestido colado ao corpo. Aí, após chupadelas, entravam os pelos penteados da buceta  de Glauce .

A época das manguitas se avizinhava com essas primeiras frutas, mas as mangas rosas tiravam onda de difícil e demoravam. Os passos de desconfiada de seriema de Glauce ignoravam esse desencontro de produção agrícola, entrando em casa, a pretexto de fazer trabalho escolar com minha irmã.

- Vanda, eu gritava lá para dentro às vezes, Glauce está chamando! Vamos sentar, Gluauce, dizia apontando o sofá,  com  o olho nas bolas e barra do vestido da garota.

Enquanto isso, o rádio de pilha da casa de Glauce, posicionado no quintal, na sombra do pé de mangueira, retransmitia num alvoroço matinal o programa “Belmiro é o espetáculo”, da Rádio Inconfidência. Mais tarde era o papagaio que iria entrar em ação: - Ô Preto. ... Preeeto...

Preto, irmão de Glauce, era meu colega de ginásio, de estudar e tocar juntos alguns acordes de violão, mais umas duas canções. Só isso. O resto era o turuntuntuntumtun de iniciantes.

Por influência dos gibis e das fotonovelas que líamos, a gente em dupla fazia no caderno umas “fotonovelas”, com texto meu e desenhos caprichados de Pretinho. Dava gosto de ver os desenhos em quadrinhos. Curtia no meu quarto, entre pausas de manuseios dos assuntos de aula, até me envolver no sono.

Dia seguinte, às cinco, era acordado para a Educação Física. O sinal combinado era o barulho que fazia no vitrô do meu quarto uma vara de anzol, lá do outro lado: “Chap-chap”. Se bem que mais elegante, naquele mundo ainda de sonhos, seria despertar com Glauce tentando enfiar aquelas pernonas quentes entre as minhas coxas e me dizendo no ouvido:

- Acorde, menino, que não tem Educação Física hoje não.

 E acontecia de não haver mesmo, para ficarmos às sós, numa boa. Seria feriado ou então o professor, solteiro, acordaria de ressaca.

Guardava a impressão de que o dia não se iniciava sem o alardeio do radinho de pilha da mãe de Glauce.  Não pingava um pessoal de costume na calçada para o Café da manhã, crianças não passavam para escola. Não encaixava normalidade nas coisas, mas uma idéia de fim de mundo ainda com final de feira. Tudo acabado e gente perdida, sem ermo, numa imensidão de mar oceano. Cada pessoa encontrada você olhava como se fosse última vez, com despedida de adeuses e lembrança acelerada de pequenos detalhes realizados no tempo de presteza.

 Aproveitava esse entrecho para últimas ações minhas e de Glauce, com aquelas duas alças de vestido escapando em sistema de revezamento. Caía e levantava. Na verdade, essa questão do vestido de Glauce não era propriamente Glauce, antes era mais de formato de corpo. Que era, com olhos de exagero, num estilo sob medida. Muito queixo caído, muita babação. Mas de uma cruzada de perna de Glauce (um escândalo) teria como se esquivar?! Quantas vezes não tivera que correr até o banheiro para amansar o bezerro? Ufa!

Penso em Glauce com tristeza, pela ausência de seu rosto, só coxas e bumbum. Era uma garota que sobrava corpo sob medida, com as alças de vestidos caindo em mantida decência no traje. Parecia não, com certeza ela veio para ser uma espécie de fetiche erótico ou algo assim. Nesse período de puberdade despertava toda uma geração ou era só eu porque estava ali de perto vigilante, como quem espera a chegada do envermelhecido da pontinha da manguita?

O certo, porém, é que por demais marcou minha vida de adolescente um desses dias, como um dia atrás de outro, e aí é que completava esse bordado: até o radinho de pilha da mãe de Glauce tinha feito sua vez tocando uma canção de Raul Seixas, em que ele se declarava feliz por ter conseguido comprar um corcel 73; o papagaio já tinha grasnado o nome de Preto duas vezes, e as crianças cuidavam  de ir para a escola, tecendo a manhã pelas calçadas em frente; quando deparei com uns passinhos de seriema com as duas bolas ajustadinhas falando com voz de formiga Vanda! Vanda!, enquanto o chão ia sendo forrado do açúcar que caía da garota, que se esvaia em tesão e eu ali circunspecto e firme nos meus doze anos, pensei e nem quis mais pensar.

Abracei por trás a garota, que me escapou frouxamente quando aos seus gritinhos elevou-se por instinto de socorro a voz de irmão, lá embaixo e do outro lado:

- Glauce!

 

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