- Telefone pra você, Edgar – disse a irmã.
Era ela, a garota dos tempos de “Alumbramento”, depois de alguns anos,
convidando-o para uma parada de buraco no apartamento dela, que as amigas
levariam os refrigerantes. Para os fins-de-semana, Rita inventara de armar esse
esquema e, para compor parcerias, lembrou-se de Edgar, se ele topava.
Edgar falou um nhenhenhém, colocou o fone no gancho e retornou sorrindo:
- Ninguém.
- Como “ninguém”, se você estava: - Claro. Levo o miúdo de
frango – Elza imitava Edgar ao telefone.
Por questão de segurança, Edgar abriu o jogo:
- É Rita, Ritinha. Vou acabar ficando por lá mesmo. Vou levar uma
coisinha pra beliscar. Enquanto se joga baralho...
- Melhor que voltar tarde – respondeu Elza,
Rita já trabalhava e estava quase se formando em Filosofia. O namorado
aparecia por vezes. Como demorasse, pensou Edgar, o buraco agora era mais
encima.
Edgar apanhou o capacete e sumiu pela orla, não sem
antes passar na padaria e comprar a porção de miúdo de frango, que carregava no
saquinho pendurado no guidão da moto. Em piruetas de contente, que lhe permitia
fazer o moço de vinte e poucos anos. Durante o jogo, enquanto bicava o copo de
cerveja, gostava de saborear coração de galinha no palito. Podia chover, cair
toró.
Tudo isso em busca de uma fantasia besta dele. Imagens de 8ª.
série. Situação a se resolver. Carregava as cenas quentes do maravilhoso
e do proibido, que lhe proporcionavam a coragem. Mas agora, passados uns cinco
anos, não se podia falar de um desgaste. A imagem estava viva, como comida boa
que gruda na panela. O odor estaria presente? O cenário não era mais o de
escurinho de cinema. Precisava sentir esse astral de Rita, essa magia. Pensava
assim, mas tinha que se policiar nesse detalhe. Não devia se entregar a um
devaneio adolescente, ainda mais que, por ouvir dizer, ela era tida como noiva,
que só de ouvir tal palavra, antes que se enxergasse o conteúdo, portas se
abriam e se fechavam. E seu cavalo, indomável, estaria solto? Pronto para
riscar o chão com a pata? Mas até quando?
Esse grude devia-se mais a essa
fantasia de garoto, de sua florescência. E quando ele mergulhava nessas águas
não via pessoa, mas tudo o que emergisse e se formasse como orvalho, enquanto ato
único e solitário, de pura intimidade pessoal. Sem qualquer outro toque que em
Rita o atraísse, ainda mais isso, uma quase irmã, prima, vislumbre de maravilha
e pecado. Precisava sossegar o animal que, rédea curta, se esperneava consigo. O
medo impunha um demorado silêncio nos chocalhos de animação, mas, por vezes, não
tinha como encobrir finos rasgos de um flautim, a um instante de enternecimento.
Enquanto passava a chuva, iam se
deliciando com vinho e cerveja os petiscos preparados rapidamente por Rita, com
quem num outro cenário, adiante, com resultado inconseqüente, travaria um duelo,.
- Ponha aquela ponta de charque de
molho, para Edgar, ele gosta – escutou Rita, antes de se recolher, dando ordem
a empregada para o dia seguinte,.
Quase ferrou no sono se ela demorasse
mais de chegar, ao calor da cama com seus lençóis.
- Vamos deixar bem claro, seu Edgar, que vamos dormir juntos mas como
pessoas civilizadas, nada dessa mão nas minhas coxas.
- Então vou dormir em casa – disse
Edgar se levantando.
Ele pegou o capacete e caminhou para a porta de saída, pensando que ela
ainda diria “Ei! volte aqui, Edgar”, mas não disse, ficando só ele e sua
fantasia, no meio da noite, mas num momento de embaraço, quase voltava a
propósito do charque, muito do seu agrado, que ia ser preparado no outro dia.