Uma colega sergipana
Ela
possuía um corpo impecável, embora pequena, sem esconder segredos sob suas
sedosas madeixas e com um leve sotaque sergipano em sua voz sedutora. Com
apenas algumas palavras, já chamava o noivo de “Carneirinho” em todos os
lugares. Era assim que se referia a ele, o proprietário de um chevete novo que
se destacava na escola e, em parte, com ar de proprietário também da pequena.
Daí a razão de falar pouco e apenas com poucos. Ítalo, tímido, arrastava sua
carteira na direção da garota silenciosa, que lhe parecia diferente. Sobre o
carro, ele concordava com os pais:
- Enquanto não passar no vestibular, não quero
ver filho meu se exibindo ao volante.
Ele
não alimentava nenhum desejo real por carro, e observava, com total
naturalidade, o ciúme que Carneirinho despertava entre os colegas. Sentar-se
naquele canto não era por atração por Carneirinho, mas por consideração pela
sergipana, com quem mantinha uma conversa tranquila,
Um
dia, quando Ítalo mal se sentou foi logo recebendo notícia forte:
- Gente,
o papa morreu – alguém impôs silêncio na
sala.
- Ôxe, de novo? Isso foi há um mês atrás, cara
- disse Ítalo,
- Deu na TV agorinha
mesmo, morreu o outro, João Paulo I.
- Ôba, o colégio vai feriar – pilheriou Carneirinho.
-
Fale então com sentimento; é pecado falar assim, cara – censurou Ítalo.
- Não sou religioso –
retornou Carneirinho.
- Também não, mas por
princípio somos católicos.
- Verdade – disse a
sergipana.
Viu a palavra sair dos
seus lábios, e se encheu de felicidade
com a concordância em sergipano. Ainda bem que os colegas levaram João Carneiro
Aquino para a área de recreio, rumo da cantina, de onde voltaria soprando um
copo de café, como ato preparatório para o cigarro longo que costumava trazer
na algibeira.
Iria voltar depois do
feriado e, durante o papo, num vacilo de Carneirinho, aplicar um beijo na
sergipana, porque carregava consigo um interesse platônico por ela, que era bonitinha, de boca bem desenhada. Perpassavam-lhe
esses pensamentos, mas nada tinha a oferecer para a garota, sequer uma prenda, senão
sua simpatia. O outro pelo menos tinha um carrinho transado e a ginga do chaveiro
nos dedos. Mas descobria então essa afinidade brotando entre eles, Ítalo e sua colega
nova. Se não vencia pelo menos arrefecia aquele entusiasmo dela. Preparava-se para um beijo de ocasião, que era
para haver e não houve.
Quando voltaram na
semana seguinte, que se encontravam às sós, numa situação temerária, rostos quase
alinhados, o que houve foi um anticlímax. Ítalo se lembrou da festa desfrutada na noite
passada (Forró dos Estudantes) que lhe deixara numa ressaca dos diabos, ao ouvir da sergipana:
- Êta, que cheiro de cachaça!
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