terça-feira, 17 de setembro de 2024

 

Uma colega sergipana

 

 

Ela possuía um corpo impecável, embora pequena, sem esconder segredos sob suas sedosas madeixas e com um leve sotaque sergipano em sua voz sedutora. Com apenas algumas palavras, já chamava o noivo de “Carneirinho” em todos os lugares. Era assim que se referia a ele, o proprietário de um chevete novo que se destacava na escola e, em parte, com ar de proprietário também da pequena. Daí a razão de falar pouco e apenas com poucos. Ítalo, tímido, arrastava sua carteira na direção da garota silenciosa, que lhe parecia diferente. Sobre o carro, ele concordava com os pais:

 - Enquanto não passar no vestibular, não quero ver filho meu se exibindo ao volante.

Ele não alimentava nenhum desejo real por carro, e observava, com total naturalidade, o ciúme que Carneirinho despertava entre os colegas. Sentar-se naquele canto não era por atração por Carneirinho, mas por consideração pela sergipana, com quem mantinha uma conversa tranquila,

Um dia, quando Ítalo mal se sentou foi logo recebendo notícia forte:

- Gente, o papa morreu –  alguém impôs silêncio na sala.

         - Ôxe, de novo? Isso foi há um mês atrás, cara  - disse Ítalo,

- Deu na TV agorinha mesmo, morreu o outro, João Paulo I.

-  Ôba, o colégio vai feriar – pilheriou Carneirinho.

         - Fale então com sentimento; é pecado falar assim, cara – censurou  Ítalo.

- Não sou religioso – retornou Carneirinho.

- Também não, mas por princípio somos católicos.

- Verdade – disse a sergipana.

Viu a palavra sair dos seus lábios,  e se encheu de felicidade com a concordância em sergipano. Ainda bem que os colegas levaram João Carneiro Aquino para a área de recreio, rumo da cantina, de onde voltaria soprando um copo de café, como ato preparatório para o cigarro longo que costumava trazer na algibeira.

Iria voltar depois do feriado e, durante o papo, num vacilo de Carneirinho, aplicar um beijo na sergipana, porque carregava consigo um interesse platônico por ela, que era bonitinha, de boca bem desenhada. Perpassavam-lhe esses pensamentos, mas nada tinha a oferecer para a garota, sequer uma prenda, senão sua simpatia. O outro pelo menos tinha um carrinho transado e a ginga do chaveiro nos dedos. Mas descobria então essa afinidade brotando entre eles, Ítalo e sua colega nova. Se não vencia pelo menos arrefecia aquele entusiasmo dela.  Preparava-se para um beijo de ocasião, que era para haver e não houve.

Quando voltaram na semana seguinte, que se encontravam às sós, numa situação temerária, rostos quase alinhados, o que houve foi um anticlímax.  Ítalo se lembrou da festa desfrutada na noite passada (Forró dos Estudantes) que lhe deixara numa ressaca dos diabos,  ao ouvir da sergipana:

         - Êta, que cheiro de cachaça!

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