sábado, 26 de outubro de 2024

Pisando nos cascos

 


       

Seu time ia jogar na cidade vizinha. Ítalo, nos seus treze anos, estava pisando nos cascos, como se dizia então. Sentia-se forte, com preparação de um atleta de pretensões olímpicas. O João do Pulo, inspirador, encheu-lhe os olhos com aquele salto triplo.

Antes de entrar em campo, Ítalo deu uma volta em torno do “gramado” e, com três pulos, olhar de superioridade, entrou na fila acompanhando os demais jogadores.

- Ei camisa 9!  – ouviu de uma garota no meio da torcida.

Eram meninas “caçando” entrada. Falaram dessas torcedoras. Mas que não se empolgasse, que, no fundo, era mesmo deboche.  Os adversários no outro domingo viriam pagar o jogo. Com o treinamento da semana, consideravam-se preparados no entrosamento. Prontos para uma vitória maiúscula. Até o apito inicial, Ítalo se mexia em aquecimento. Logo entraria em campo em grande estilo.

                - Ei camisa 9! – ouviu de novo a garota.

             - Oi – disse Ítalo em fila com os demais.

            Foram passando, mas ainda escutou a provocação de uma das garotas:

            - Vocês vão perder. É uma pena.

            - Vamos ver, menina bonita – devolveu Ítalo num murmúrio.

            Um grupo de quatro garotas ainda fazia algazarra num canto.

            - Como é seu nome, essa do meio?

            Enquanto desfilava com os demais garotos, sõ faltando exibir também as coxas que pareciam arrebentar o calção, notou que elas ficavam brincando ao inventar nomes:

            - Sou eu aqui, seu homem – respondeu a moreninha erguendo o dedo.

           Decerto que era devido ao bigode raspado,  mas se sentia envaidecido com esse tratamento.  Não sabia ela que eram da mesma idade? Era um rapaz, afinal.

Dada a saída, a bola foi para a rebatida da defesa, quando um colega de equipe chegou atrasado e só encontrou os cravos da chuteira do zagueiro. Os dois se estranharam. E quando o atacante levantou-se do chão, sem nem sacudir a poeira, para ir para a luta, Ítalo de forma inusitada e se posicionou ao lado, como quem compra a briga. Tal foi a cena de cinema, que o árbitro nem hesitou e entrou na fita com aplicação de um cartão vermelho: - expulso!  - apitou forte. O time ficou com um jogador a menos e Ítalo, brilho apagado, foi assistir ao jogo retirado, num canto de cerca, sem ninguém por perto.

Havia decorrido menos de minuto de jogo e ele não pôde exibir seu futebol. Na hora do embarque, para completar sua tristeza, descobrira que ele, na pressa, tinha vestido a camisa  6 em vez da 9. Olhou para trás numa tentativa de quem busca algo esquecido, mas numa ventania o carro se arrancou..


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