sexta-feira, 5 de setembro de 2025

 

Eliane

 

         Ítalo se sentia bem aquecido com aquele blusão marrom. Era possível transmitir charme e segurança, mantendo alguém próximo ao coração, envolto em um abraço. Ao decidir dar um tapa na irmã de Catão, uma jovem que vivia provocando e tentando se aproximar do grupo, foi nesse momento que ele percebeu:

 - Vai pra lá, moça, que aqui só entra homem! – haviam dito.

Não adiantava, quando se descuidava, ela estava enroscada no blusão de Ítalo, perto da mesa de sinuca. Ítalo achava quentinho, gostosinho, jeitoso, mas, por conveniência, melhor que se atribuísse tal modo ao frio que se instalava:

 - Deixe ela comigo! - afirmou Ítalo, segurando a garota, e, nessa posição, aparentando normalidade, permaneceu. Afinal, era a irmãzinha excêntrica de Catão, e ela merecia um amparo.

Aproveitando a chegada do sol, que se espalhava pelas ruas como uma novidade de renovação, caminharam pela área como um casal novo, sem compromisso, em passeio,

- Como é mesmo seu nome, Benzinho?

- Eliane – disse aninhando-se a gosto, cheirosinha, cabelo louro.

 - Sua família não reclama dessas atitudes suas  não, Eliane?

Nesse momento, Roque sinalizava, como se quisesse dizer que a família havia largado de mão. Repetente na escola, estava progredindo bem. E falava com entusiasmo sobre as notas que recebia.

-  Estou quase passada de ano – disse Eliane.

- Pegue pra mim essa pedra aí – ordenou Ítalo.

Ela viu qual era a intenção dele, então tomou da mão do rapaz o arame e fez o serviço batendo com uma pedra na outra. Depois ficou exibindo a ponta:

  - Pra jogar finca está pronto. Vamos tirar a sorte? – perguntou escolhendo um canto de chão mais enxuto para o risco do sorteio.

 Quando Ítalo percebeu, estava cheio de riscos em volta do largo da igreja e ela batia com uma canhota certeira.

 - Vamos comprar umas balas doces ali em frente? Faça de conta que perdi pra você no jogo. Segure aí, que é  minha vez.

Como ela não desgrudasse dele, foram os dois abraçados, desviando dos das poças d’água  Antes, porém, ela agachou-se para dobrar a barra da calça de Ítalo.  Após o término de uma partida, ela teve a ideia de lhe dar um beijo de boca como forma de comemoração. Assim, ela passava a bala que estava chupando.

- Humm! -  disse Ítalo após engolir a bala chupada.

         Repetiram essa cena mais vezes até que, perto de uma casa em ruínas, a garota se encostou de jeito na parede e puxou Ítalo para um beijo prolongado, sem bala no meio. Dado o andamento das coisas, ele complementou. Em seguida, precisava manter uma postura de macho e começou a vasculhar os bolsos como se estivesse à procura de algo, quando Eliane, adivinhando, lhe ofereceu o maço de cigarros e o fósforo que trazia escondidos na blusa. Ele estava ciente das travessuras da menina, mas não esperava um progresso tão ousado.

         - Só tem um... – disse retirando um cigarro e amassando a certeira de Chanceler.

         - E você queria fumar mais de um? Você me dá a segunda.

                  Como a chuvinha ameaçava voltar, acomodaram-se no meio das pedras, num resto de cobertura de casa, e ficaram apreciando o cair da tarde chuvosa fumando a dois.  

         Anos depois, Italo estava fazendo supermercado com Selmas. Quando passava pelo caixa, ao questionar a nota, acabou ouvindo da funcionária que apontava o portão:

         - Ela que pegou e disse que estava com você.

         Ergueu-se e ainda pôde ver a ponta dos cabelos de Eliane, no portão de saída, com um embrulho na mão e descascando o invólucro de chocolates com os dentes.