domingo, 18 de janeiro de 2015

Canção para Ari


               
quero te dizer
outras palavras
não quero coisificar
o ser

o céu a nos mostrar
beleza
que vejo nos olhos
teus

deixa que te olhe
assim
em mim
se esvai o breu

deixa o penetrar
de luz
alguém que
em ciranda
te abrace
ao alvorecer
                16.01.15      Nei George Prado


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Dilma-Lula e ... Raul Seixas



Começo por dizer que nunca fui petista, embora tenha votado no PT nos últimos tempos, mas, diante do quadro que se me desenham as injunções, com algumas pessoas – gente então boa em que acreditava – que lá estavam e que agora se dizem ex-PT, talvez por não mais agüentarem ser companheiros por motivos alheios ao verdadeiro companheirismo ou por veleidades mesmo, acho até que, em sentido contrário, devo colocar no peito com orgulho sim aquele broche  que eu via em garotos e garotas (agora é assim) durante minha juventude: Eu sou PT. Digo-o vivendo o presente: eu entendo Dilma-Lula.

Às vezes fico pensando, se Jango tivesse atendido ao pedido de Brizola, naquela ocasião do golpe, e o tivesse deixado como ministro ou um encarregado, mesmo com uma esquadra naval dos Estados Unidos por perto, a História não teria sido melhor? Jango não queria sangue. Como de fato, o Golpe Militar acabou sendo sopa no mel; o sangue viria depois. História.

Mutatis mutandis, Dilma – que chegou aonde chegou graças à visão de Lula, marcado pela força da mulher em sua formação como pessoa e, em parte em consideração a Brizola (no fundo, ainda que sem ele assim desejar), que lhe pediu por diversas vezes para desistir da candidatura contra Collor que ele o velho Briza venceria o segundo turno – vive hoje o mesmo drama, também de forma a que dá motivos a interpretações várias, nunca, em nenhum momento, ao entreguismo, como pretendia e pretende a oposição, que só se sustenta ao sabor da grande mídia – verdadeira oposição, contra o que lutou Leonel Brizola - o único político que peitou a Rede Globo, o que tem faltado a Dilma-Lula.

Acredito que o caminho é árduo, com o Congresso que temos, muita gente às costas, vícios de outrora e de sempre, mas Dilma deve saber enfrentar esse período de transição - ninguém melhor que ela e Lula -, com alguns companheiros de equipe. Raul Seixas, grande cantor-compositor, antes de chegar a ser estrela, teve que passar certo tempo produzindo outros cantores com canções que ainda não eram dentro da sua verve. Nesse tempo era conhecido por Raulzito. Mais tarde ele cantou:
  
Raul Seixas e Raulzito
Sempre foram  o mesmo homem
Mas pra aprender o jogo dos ratos
Transou com Deus e com o lobisomem
     

domingo, 28 de dezembro de 2014

A cantora Madona apóia o presidente da Venezuela

De uns tempos para cá, passei a me sentir meio analfabeto. Por conta das vistas cada vez mais cansadas talvez. Nesse bombardeio diário de informações, com manchetes as mais diversas em mistura, acabo, na pressa em escolher o assunto que mais me interessa, por esbarrar em uma ou outra que de imediato me causa confusão, tal qual ocorria com aquela velha surda do programa de TV A Praça é Nossa. Só que no caso o problema da velha era com relação a linguagem oral e a minha é com a escrita.

Quando abro a internet e vou garimpar as matérias para uma leitura mais atenta, tendo que afastar do caminho os noventa e nove por cento de lixo, é que ligeiramente tenho essa impressão. Devia ter anotado alguns desses tropeços de leitura para ilustrar essa nova doença. O pior é que se você não cuidar de se certificar depois ao fazer essa rápida leitura das manchetes, o que se torna uma perda de tempo mas necessária, acaba por reproduzir de forma equivocada a informação.

Encontrados mais à mão, registro então alguns casos. Outro dia, nesse processo de escolha, deparei com o seguinte: Madona posa com o presidente da Venezuela. Não me interessava, passei adiante mas preocupado com aquilo. Pombas, que que tem a ver Madona, cantora pop, com um político da América Latina? Aí, com tal preocupação, já não conseguia concentrar direito na matéria seguinte, de forma que, encasquetado, cliquei de volta em Madona posa com o presidente da Venezuela, quando enxerguei melhor a foto e constatei que não era a artista Madona mas o ex-jogador de futebol Maradona, que naquele Pais chegava para ser técnico. Outra: Paquistão-2014: jogadores elegem Neymar e CR-7 como melhores do ano. Claro que adoro futebol. Quis ler o texto, mesmo estranhando que tal escolha tenha sido feita num país que não tem nenhuma tradição nessa modalidade de esporte. Vai que passaram a admirar a poesia do futebol dos craques e fizeram essa homenagem, pensei. Pois pensei errado: era Pesquisão-2014. Eu já estava tão fragilizado com noticiários sobre corrupção no Brasil e no mundo e até no Vaticano, que ontem não deixei escapar e anotei essa em que ia me estrepar e no estalo me salvei: PMs podem ser expulsos da corrupção, quando a chamada da matéria era, na realidade, PMs podem ser expulsos da corporação.

Falei da velha de A praça é nossa, agora me lembro do caipira que deu duro no trabalho em período junino e depois saiu pela cidade à procura de festa, quando, após ter ficado por mais de hora esperando abrir certo estabelecimento, perguntou a um transeunte:

- Oh moço, que hora vai abrir aqui o Forró de Gérson?

- Aí não é Forró de Gérson não- respondeu o moço, – é Forro de Gesso.

Ora, era apenas uma placa, imagine agora com esse excesso de informações. Vai aí, portanto, minha contribuição para a cautela do leitor nesses tempos.





sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A vez que Davi poupou Golias



Ele era o mais velho da turminha e vivia meio a um canto, como um dos alunos mais fracos. Do contra, ia sempre na contramão, no seu jeitão áspero, de criança criada sem pai. Mas descobri no desenrolar das aulas que ele não era tão ruim em desenho. Pelo menos isso. E passei a ser além de coleguinha de alfabetização, naquele ano de 1969, seu amiguinho lá na rua. Eu, o xodó da professora, melhor aluno; Davi, o estranho.

Um dia a professora riscou um sinal no quadro e foi perguntando aos alunos de um a um:

- Que sinal é aquele?

- Sinal de menos, professora.

- Fique ali.

Dirigia-se ao próximo:

- Que sinal é aquele?

- Sinal de menos, professora.

- Fique ali atrás de sua colega.

E assim foi que todo mundo ia dizendo “sinal de menos” e ficando em fila sem apanhar de palmatória. Restávamos eu, o cara, o gigante em notas, e Davi, o amalucado. Eu tinha certeza que o sinal escrito no quadro pela professora era o “sinal de mais” (+) mas como todos disseram que era o “sinal de menos” (-) e não tinha acontecido punição nenhuma resolvi acompanhar a maioria quando me chegou a pergunta:

- Sinal de menos, professora.

- Fique ali na fila.

Naquele tempo, só se ingressava no ginasial (atual 5ª. a 8ª. série) após aprovação no chamado curso de admissão. Só quando acabou com tal exigência é que Davi conseguiu entrar para o ginasial. A essa altura eu já me preparava para o segundo grau.

- Que sinal é aquele? - a professora perguntou, para o último, que era Davi.

- Sinal de mais.

A professora pegou a palmatória e entregou a Davi:

- Tome, dê um bolo em cada um dos seus colegas.

As crianças iam passando por Davi com a mão estendida para receber o bolo punitivo, que ele aplicava com força, e a fila ia andando até que chegou a minha vez, ocasião em que Davi apenas fez tocar de leve a madeira, numa palmatoada meramente simbólica: o Golias da classe lhe inspirava respeito e amizade - consideração recíproca que guardamos para sempre.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

... senão



... senão a manhã não chega
se esgueira
respingos da chuva
insistente de nada
aroma do café
que não se anuncia
pela casa

.. senão o dia não chega
nem termina
as crianças não têm volta
da escola
estão todas soltas
pelas ruas
nuas
estão nuas
sem rostos

há um jeito de casa
estiolada
de fim de linha
placa de “vende-se”
impressão de homem
na calçada
camisa do Flamengo
desbotada
cigarro sem fósforo
cerveja sem álcool
bife de soja
o número do celular que você discou
não existe
a Internet caiu
você está no teatro
pelo lado de fora

30.09.2014

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Getúlio, Jango e Dilma


A presidente Dilma, em sua campanha para reeleição, vem sofrendo o que sofreram todos os presidentes anteriores que não trilharam de acordo com os interesses de uma elite - que se curva aos interesses do capital estrangeiro -, como Getúlio Vargas e João Goulart, que não completaram seus mandatos, apesar de grande aprovação popular; o primeiro obrigado a suicidar-se, o que fez recuar o golpe, que foi tentado no governo JK e que veio a  explodir em 1964 com a deposição do segundo, fazendo o país mergulhar num mundo kafkiano por mais de vinte anos, quando o Brasil se encontrava em plena efervescência cultural e política.

A grande mídia, à época, como o faz hoje, tem se colocado sempre como um “gato do mato” nessa luta em favor da Casa Grande; daí não se estranhar agora, que tudo parece caminhar em distanciamento à sua mesquinhez, com a aprovação do governo de Dilma, sem necessitar de esquadra americana no litoral do estado do Espírito Santo, porque apoiada no salto de evolução que se deu na comunicação, o mesmo filme com “remake”, para que Dilma seja derrotada ou pelo plano “A” ou pelo plano “B”.

Lembremo-nos de Leonel Brizola, o quanto ele foi massacrado pela Rede Globo, que depois de tantos anos de prostituição em parceria  com a ditadura militar (21 anos) estampou matéria em que confessa que esteve errada e então pede desculpa, tipo “desculpe a nossa falha”, como dizia o apresentador do JN Cid Moreira. Ao que a gente poderia dizer “Vá e não peque mais”, mas não adianta – é na primeira esquina.


Já é tempo de o povo brasileiro abrir bem os olhos para o que informam os veículos de comunicação, com as distorções que costumam fazer para que tudo resulte na retomada das rédeas do poder que, segundos eles, deve seguir uma outra linha, entregando o Brasil a banqueiros, especuladores, com a presença mínima de Estado e, por conseguinte, desvalimento desse povo, como ocorreu no caso das quedas dos presidentes Getúlio e Jango.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Sem nota fiscal

Já que sonhar é de graça, Deraldo não deixava por menos. Seus sonhos tinham a altura das estrelas. Falava de coisas a realizar como se fosse do tipo “vou ali tomar um cafezinho e volto”.

- Se tudo der certo, amanhã estarei no Rio de Janeiro tomando um chope à beira da praia com Xuxa.

Dizer o quê, pelo amor de Deus.

- Sente aí, Deraldo. Tome uma pinguinha com a gente mesmo, homem.

- Não posso; tô aguardando um telefonema de Maité Proença. Ela ficou de me ligar hoje.

Muitos dos amigos achavam que Deraldo sempre fora assim. Outros, porém, atribuíam essa sua perturbação à segunda falência por problema fiscal.

Altas multas por sonegação de impostos o levaram ao caos.  Da Segunda vez, quando se reergueu, procurou andar em dia com o fisco. Pagava religiosamente todos os tributos. Até o que às vezes não devia. Na dúvida, pagava. Queria dar sua contribuição e conduzir-se dentro da lei. Com tantos tributos, a vaca foi de novo para o brejo.

A vaca não, que Deraldo não era pecuarista, mas o seu comércio de atacadista.  Resultado: andar direito também não dava camisa.

Assim é que Deraldo de repente se tornou aquela explosão de fantasias. E passou a desfrutar daquilo que é de graça: sonhos. Pelo menos já não devia fedêpe nenhum; os outros é que lhe deviam.

Tantas marcas lhe deixou na mente perturbada a fase de operação fiscal que, quando Deraldo falava em dinheiro, expressava-se  mais ou  menos assim:

- Com dois milhões de UFIR eu faço um arraso.

- Qualquer dia eu ponho a mão numa bolada.

E pôs. Nas alturas em que andava, não é que acabou acertando sozinho na loto.

Comprou uma F-1000 cabine dupla e partiu para o Rio de Janeiro. Freqüentou ambientes sofisticados. Esteve na Academia Brasileira de Letras, durante a solenidade de posse de Dr. Roberto Marinho.

E quando, dia seguinte, foi recebido no Palácio das Laranjeiras, fez por merecer uma repreensão do então governador Brizola, seu líder político, por ter atendido ao convite do poderoso chefão da Globo. Mas, para não estender muito o caso, vamos encontrá-lo de volta para a Bahia, após grandes aventuras no sul maravilha.

E não voltava sozinho não. Com ele vinha todo um time de primeira: Xuxa, Maitê Proença, Lídia Brondi e Vera Ficher. Lembrava o ataque da seleção brasileira de 70: Jairzinho, Pelé, Tostão, e Rivelino como falso ponta-esquerda, que era para enganar os estranjas.

Logo ele se lembrou daquele velho ditado: Deus quando dá a farinha, o diabo fura o saco. Ao entrar na divisa entre os estados de Minas Gerais e Bahia e passar pelo posto fiscal, voltava aquela aporrinhação. A perseguição fiscal acabou sendo uma inhaca na vida de Deraldo.

- O senhor tem nota fiscal? – foi perguntando o fiscal de olho no interior do carro.

- Essa não. Nota fiscal?! Claro que não.

- Pois então meu amigo, vou lavrar o auto de infração. A mercadoria - concluiu olhando para Xuxa, Maitê, Lídia Brondi e Vera Ficher – vai ser apreendida.

- Mas qual é a infração, ô seu fiscal?

- Contrabando, meu filho, contrabando do grosso... ou do fino, sei lá.

- Contrabando de quê?

O fiscal, com a caneta em punho e cara de ousado, foi apontando uma a uma: Xuxa, Maitê, Lídia Brondi e Vera Ficher:

- Contrabando de açúcar, meu filho.

Era o destino de Deraldo. Mas, como dizia Machado de Assis, é melhor cair das nuvens que de um terceiro andar.

1990