sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Sísifo?




esgueirar-me ou explodir talvez
apertar de vez o botão
não cuidamos fosse o fim
de uma escalada de Sísifo

por entre páginas dos dias
é preciso retomar a lição
reler suas cartas
ver o quanto se brigava em vão

tudo espalhado
como pontas dos cigarros
que juntos fumamos
alguém limpando o chão com sua melhor camisa


12.08.2016 NGP

domingo, 26 de junho de 2016

A criança



 Abaixo, ficção de minha sobrinha Bibi


O ônibus parou e eu entrei. Entrei, paguei, sentei. Uma criança de olhos opacos se sentou ao meu lado. Me assustei. Olhos opacos em crianças... Esta aí, a coisa que faltava para completar a minha insignificância.
        A criança me olhava, com um rosto suspeito, olhar questionador. Parecia que encarava um espelho. A pequena criatura segurou minha mão, olhou nos meus olhos, me chamou de tio; me fez sorrir; me disse que tudo ficaria bem e que eu voltaria a ser feliz.
        Minha mão? Ela não largou e seu olhar ao meu se apegou. Sentia a sua ansiedade, era minha vez de falar e o seu brilho, era agora, minha responsabilidade. Não sou bom com gente, todos me deixaram, vivo solitário até que a última coisa que tenho seja de mim arrancado.
        Mas aquela coisinha, tão pequena e suja, com seu olhar me pedia ajuda. Abri a boca. Tentei falar. Seus olhos brilharam. Minha boca fechou. Seus olhos apagaram. Os meu lacrimejaram.
        Pobre criança. Logo a mim sua alma pedia socorro. Como eu ajudaria se a minha se afogava no fundo de um poço?
        Seu olhar parecia entender e sem nenhuma palavra, em seus curtos braços tentava me envolver. Meu corpo queimou, com um calor diferente. Aquela criança era de Deus meu presente.
        Meus braços a envolveram em um ato involuntário. Pela primeira vez não me sentia mais tão solitário. Abraçados ficamos até nossa fome de amor saciar. A criança me olhou, seus olhos voltaram a brilhar.
        O ônibus parou. A criança levantou. Saiu pulando. Eu poderia jurar que abraçara um anjo.


Beatriz Gavazzi L. Prado



domingo, 29 de maio de 2016

Davi





escrever gigante
que foi Davi
e
escrever Davi
que foi gigante

não é o encher d”olhos e de ouvidos
não é o impor aos sentidos

as mãos que se tocam
não se deviam saber
no mesmo caminho
do achado

19/08/2006

quinta-feira, 3 de março de 2016

Nos braços de Morfeu





Um friiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiio, e eu como se estivesse numa cadeira elétrica, me contorcendo, sem achar posição, porque não era caso de postura na poltrona mas de falta de agasalho adequado, até que apareceu a passageira do lado, um senhora de corpo graúdo, mais ou menos da minha idade, com sacos, sacola, de onde retirou uma coberta de lã e se acomodou ritualmente, a deixar que a ponta do algodão que exalava limpeza de guardado me aquecesse parte da perna direita.

Dei uma visualizada geral e verifiquei que quase todos no ônibus se valiam de blusas grossas ou de lençóis. Meus dedos sonhavam com luvas e os sapatos não davam conta dos pés. Apenas minha perna direita parecia curtir uma “amostra grátis” de calor.

- Ô comadre, dá para a senhora me emprestar essa ponta que sobra do cobertor?

Era como se pedisse um copo d”água, estando com sede. Reconheceu, a seu modo, a minha situação de emergência, de forma que, com naturalidade, me vi de repente também protegido daquela friagem, a ponto de, sem ter onde descansar o braço esquerdo senão como que num abraço leve de quem se prepara para dormir aconchegado, assim fazer, num avanço de sinal, para aí sim ouvir um meio protesto da senhora, como que por cautela:

- Ei, eu sou casada!

- Eu também sou...e daí? Só vamos dormir – sussurrei com sono, fincando a bandeira em terreno conquistado, de maneira que ela em olhada ligeira para os lados apenas se resignou e acabou arrastada para os braços de Morfeu.

“É no andar da carruagem que as cabaças se ajeitam”, lembrei-me desse dito popular pensando em quanto, na viagem que se presumia árdua, alinhavada estava a garantia de uma tranquilidade de bebê de colo que me devolveu à realidade após umas oito horas de estrada, com presença tênue do Sol anunciando a manhã.

Ali estávamos, enfim, aos cuidados com os pertences para o desembarque na rodoviária, quando, recebido por minha mulher, que eu iria apresentar à minha companheira de viagem, em meio ao movimento de quem chega e de quem sai, já não mais a encontrei – a mulher do cobertor tinha desaparecido, como um anjo da guarda talvez.

                                                                       03.03.2016

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Sorriso de Sol



1.
segue a íntima música
desde a nascente da água fresca
por entre folhagens e pedras
onde um sapo faz xixi

2.
na moldura desse tempo
que se pinta em cores várias
ainda cabe o sonho do menino
que dava “bênção , pai”,  bênção, mãe”
e, mãos postas, rezava antes de dormir

3.
em sorriso de sol
vejo o papa franciscando


15.02.16