terça-feira, 1 de novembro de 2016

Êxtase




ir dentro e fundo num escuro que se vai descortinando
em cores
claro como a manhã
que fica
feito fruta madura
descoberta a um galho
de árvore
inacessível
à mão inquieta em sua adivinhação
de novidade


01/11/2016

terça-feira, 18 de outubro de 2016

uma cadeira ao lado da cama
feito um criado-mudo -
livros, celular, remédios
à mão das horas.

palavras que fazem as vezes
de outras que dizem ser
enquanto.

a perfeição vem embrulhada,
não se abre à mão
das horas.

que importa agora
a perfeição?

17/10/2016

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Para Sérgio Luís Fortes Carvalho






a vida  batendo lá fora
em minha janela
janela de um 3o. andar de edifício
erguido no centro de Guanambi
domicílio/exílio
eu no meu ofício
garimpando peças úteis e talvez inúteis
entre fios, cabos e “chips”
entre vigiadas e espiadelas
 “melhores momentos” da guerra
tela
tudo ao vivo
os mortos de George Bush
bucho
rodeado de códigos e outros livros
livre
para gritar contra as injustiças
gritar pelos que indevidamente estão entre quatro paredes
mas sem poder gritar com êxito por você
e de repente vem o aviso
nesta sexta-feira
4 de abril de 2003
vem minha mãe preocupada
(ah! sempre assim as mães)
trazer-me essa notícia
que você foi para os céus
quando mal fumamos o derradeiro  cigarro
para dormir o sono profundo
quando a vida insistentemente
em ouros raios
bate lá fora
também em sua janela
que você mal teve tempo
de olhar

                                                       abril/2003

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Sísifo?




esgueirar-me ou explodir talvez
apertar de vez o botão
não cuidamos fosse o fim
de uma escalada de Sísifo

por entre páginas dos dias
é preciso retomar a lição
reler suas cartas
ver o quanto se brigava em vão

tudo espalhado
como pontas dos cigarros
que juntos fumamos
alguém limpando o chão com sua melhor camisa


12.08.2016 NGP

domingo, 26 de junho de 2016

A criança



 Abaixo, ficção de minha sobrinha Bibi


O ônibus parou e eu entrei. Entrei, paguei, sentei. Uma criança de olhos opacos se sentou ao meu lado. Me assustei. Olhos opacos em crianças... Esta aí, a coisa que faltava para completar a minha insignificância.
        A criança me olhava, com um rosto suspeito, olhar questionador. Parecia que encarava um espelho. A pequena criatura segurou minha mão, olhou nos meus olhos, me chamou de tio; me fez sorrir; me disse que tudo ficaria bem e que eu voltaria a ser feliz.
        Minha mão? Ela não largou e seu olhar ao meu se apegou. Sentia a sua ansiedade, era minha vez de falar e o seu brilho, era agora, minha responsabilidade. Não sou bom com gente, todos me deixaram, vivo solitário até que a última coisa que tenho seja de mim arrancado.
        Mas aquela coisinha, tão pequena e suja, com seu olhar me pedia ajuda. Abri a boca. Tentei falar. Seus olhos brilharam. Minha boca fechou. Seus olhos apagaram. Os meu lacrimejaram.
        Pobre criança. Logo a mim sua alma pedia socorro. Como eu ajudaria se a minha se afogava no fundo de um poço?
        Seu olhar parecia entender e sem nenhuma palavra, em seus curtos braços tentava me envolver. Meu corpo queimou, com um calor diferente. Aquela criança era de Deus meu presente.
        Meus braços a envolveram em um ato involuntário. Pela primeira vez não me sentia mais tão solitário. Abraçados ficamos até nossa fome de amor saciar. A criança me olhou, seus olhos voltaram a brilhar.
        O ônibus parou. A criança levantou. Saiu pulando. Eu poderia jurar que abraçara um anjo.


Beatriz Gavazzi L. Prado



domingo, 29 de maio de 2016

Davi





escrever gigante
que foi Davi
e
escrever Davi
que foi gigante

não é o encher d”olhos e de ouvidos
não é o impor aos sentidos

as mãos que se tocam
não se deviam saber
no mesmo caminho
do achado

19/08/2006