terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O beijo



  
é tão imprescindível
o inacessível
acessível
que as bocas
se adivinham
em beijo


Não houve. Ficou assim. As bocas se adivinharam, tanto o desejo. Tanta a energia. O impossível possível ali na sua cara. Ela e ele prementes. Disfarce, e um beijo comum, de cumprimentos. Apenas, e os dois sabiam da intenção. Da carga que os levaram àquele gesto, que deveria ser outro. O olhar dela era profundo; o dele de mais profundeza ainda. Mas contido. Lembrou-se de um professor de Direito Penal: “freios inibitórios”. Ela parecia sem os freios. Lembrou-se agora da música nordestina de Marinês cantada por Sônia Braga: eu sou o estopim da bomba/é você que me faz ser assim. Mas agradeceria intimamente seus freios. Ou melhor teria sido o avanço? Porra de professor de Direito Penal.

Tancredo Neves morreu. Que isso tem a ver? Tem. Assim como a Segunda Guerra Mundial. As bocas se encontrariam e ficaram nesse antegozo.

Seria melhor que um orgasmo. Indelével. Sem penetração e mais que isso.      Assim perto, batendo em sua cara:

- Vai, cara.

E você não vai, mas vai no limite (quem falou em limite, freios inibitórios?).

Néctar; o cabelo de seda que você podia tocar (tocar não, idiota, grudar e... arrancá-lo até).

A seda. A seda...


... e lá vem a Terceira Guerra Mundial, e você e ela chorando pela morte de Tancredo Neves em dia de Tiradentes, em pleno século vinte e um, quando os personagens de Zola, em Germinal, morreram no século dezenove dando “uma”.

sábado, 24 de janeiro de 2015

imprescindível



é tão imprescindível
o inacessível
acessível
que as bocas
se adivinham
em beijo

24.01.15
Nei George Prado


domingo, 18 de janeiro de 2015

Canção para Ari


               
quero te dizer
outras palavras
não quero coisificar
o ser

o céu a nos mostrar
beleza
que vejo nos olhos
teus

deixa que te olhe
assim
em mim
se esvai o breu

deixa o penetrar
de luz
alguém que
em ciranda
te abrace
ao alvorecer
                16.01.15      Nei George Prado


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Dilma-Lula e ... Raul Seixas



Começo por dizer que nunca fui petista, embora tenha votado no PT nos últimos tempos, mas, diante do quadro que se me desenham as injunções, com algumas pessoas – gente então boa em que acreditava – que lá estavam e que agora se dizem ex-PT, talvez por não mais agüentarem ser companheiros por motivos alheios ao verdadeiro companheirismo ou por veleidades mesmo, acho até que, em sentido contrário, devo colocar no peito com orgulho sim aquele broche  que eu via em garotos e garotas (agora é assim) durante minha juventude: Eu sou PT. Digo-o vivendo o presente: eu entendo Dilma-Lula.

Às vezes fico pensando, se Jango tivesse atendido ao pedido de Brizola, naquela ocasião do golpe, e o tivesse deixado como ministro ou um encarregado, mesmo com uma esquadra naval dos Estados Unidos por perto, a História não teria sido melhor? Jango não queria sangue. Como de fato, o Golpe Militar acabou sendo sopa no mel; o sangue viria depois. História.

Mutatis mutandis, Dilma – que chegou aonde chegou graças à visão de Lula, marcado pela força da mulher em sua formação como pessoa e, em parte em consideração a Brizola (no fundo, ainda que sem ele assim desejar), que lhe pediu por diversas vezes para desistir da candidatura contra Collor que ele o velho Briza venceria o segundo turno – vive hoje o mesmo drama, também de forma a que dá motivos a interpretações várias, nunca, em nenhum momento, ao entreguismo, como pretendia e pretende a oposição, que só se sustenta ao sabor da grande mídia – verdadeira oposição, contra o que lutou Leonel Brizola - o único político que peitou a Rede Globo, o que tem faltado a Dilma-Lula.

Acredito que o caminho é árduo, com o Congresso que temos, muita gente às costas, vícios de outrora e de sempre, mas Dilma deve saber enfrentar esse período de transição - ninguém melhor que ela e Lula -, com alguns companheiros de equipe. Raul Seixas, grande cantor-compositor, antes de chegar a ser estrela, teve que passar certo tempo produzindo outros cantores com canções que ainda não eram dentro da sua verve. Nesse tempo era conhecido por Raulzito. Mais tarde ele cantou:
  
Raul Seixas e Raulzito
Sempre foram  o mesmo homem
Mas pra aprender o jogo dos ratos
Transou com Deus e com o lobisomem
     

domingo, 28 de dezembro de 2014

A cantora Madona apóia o presidente da Venezuela

De uns tempos para cá, passei a me sentir meio analfabeto. Por conta das vistas cada vez mais cansadas talvez. Nesse bombardeio diário de informações, com manchetes as mais diversas em mistura, acabo, na pressa em escolher o assunto que mais me interessa, por esbarrar em uma ou outra que de imediato me causa confusão, tal qual ocorria com aquela velha surda do programa de TV A Praça é Nossa. Só que no caso o problema da velha era com relação a linguagem oral e a minha é com a escrita.

Quando abro a internet e vou garimpar as matérias para uma leitura mais atenta, tendo que afastar do caminho os noventa e nove por cento de lixo, é que ligeiramente tenho essa impressão. Devia ter anotado alguns desses tropeços de leitura para ilustrar essa nova doença. O pior é que se você não cuidar de se certificar depois ao fazer essa rápida leitura das manchetes, o que se torna uma perda de tempo mas necessária, acaba por reproduzir de forma equivocada a informação.

Encontrados mais à mão, registro então alguns casos. Outro dia, nesse processo de escolha, deparei com o seguinte: Madona posa com o presidente da Venezuela. Não me interessava, passei adiante mas preocupado com aquilo. Pombas, que que tem a ver Madona, cantora pop, com um político da América Latina? Aí, com tal preocupação, já não conseguia concentrar direito na matéria seguinte, de forma que, encasquetado, cliquei de volta em Madona posa com o presidente da Venezuela, quando enxerguei melhor a foto e constatei que não era a artista Madona mas o ex-jogador de futebol Maradona, que naquele Pais chegava para ser técnico. Outra: Paquistão-2014: jogadores elegem Neymar e CR-7 como melhores do ano. Claro que adoro futebol. Quis ler o texto, mesmo estranhando que tal escolha tenha sido feita num país que não tem nenhuma tradição nessa modalidade de esporte. Vai que passaram a admirar a poesia do futebol dos craques e fizeram essa homenagem, pensei. Pois pensei errado: era Pesquisão-2014. Eu já estava tão fragilizado com noticiários sobre corrupção no Brasil e no mundo e até no Vaticano, que ontem não deixei escapar e anotei essa em que ia me estrepar e no estalo me salvei: PMs podem ser expulsos da corrupção, quando a chamada da matéria era, na realidade, PMs podem ser expulsos da corporação.

Falei da velha de A praça é nossa, agora me lembro do caipira que deu duro no trabalho em período junino e depois saiu pela cidade à procura de festa, quando, após ter ficado por mais de hora esperando abrir certo estabelecimento, perguntou a um transeunte:

- Oh moço, que hora vai abrir aqui o Forró de Gérson?

- Aí não é Forró de Gérson não- respondeu o moço, – é Forro de Gesso.

Ora, era apenas uma placa, imagine agora com esse excesso de informações. Vai aí, portanto, minha contribuição para a cautela do leitor nesses tempos.





sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A vez que Davi poupou Golias



Ele era o mais velho da turminha e vivia meio a um canto, como um dos alunos mais fracos. Do contra, ia sempre na contramão, no seu jeitão áspero, de criança criada sem pai. Mas descobri no desenrolar das aulas que ele não era tão ruim em desenho. Pelo menos isso. E passei a ser além de coleguinha de alfabetização, naquele ano de 1969, seu amiguinho lá na rua. Eu, o xodó da professora, melhor aluno; Davi, o estranho.

Um dia a professora riscou um sinal no quadro e foi perguntando aos alunos de um a um:

- Que sinal é aquele?

- Sinal de menos, professora.

- Fique ali.

Dirigia-se ao próximo:

- Que sinal é aquele?

- Sinal de menos, professora.

- Fique ali atrás de sua colega.

E assim foi que todo mundo ia dizendo “sinal de menos” e ficando em fila sem apanhar de palmatória. Restávamos eu, o cara, o gigante em notas, e Davi, o amalucado. Eu tinha certeza que o sinal escrito no quadro pela professora era o “sinal de mais” (+) mas como todos disseram que era o “sinal de menos” (-) e não tinha acontecido punição nenhuma resolvi acompanhar a maioria quando me chegou a pergunta:

- Sinal de menos, professora.

- Fique ali na fila.

Naquele tempo, só se ingressava no ginasial (atual 5ª. a 8ª. série) após aprovação no chamado curso de admissão. Só quando acabou com tal exigência é que Davi conseguiu entrar para o ginasial. A essa altura eu já me preparava para o segundo grau.

- Que sinal é aquele? - a professora perguntou, para o último, que era Davi.

- Sinal de mais.

A professora pegou a palmatória e entregou a Davi:

- Tome, dê um bolo em cada um dos seus colegas.

As crianças iam passando por Davi com a mão estendida para receber o bolo punitivo, que ele aplicava com força, e a fila ia andando até que chegou a minha vez, ocasião em que Davi apenas fez tocar de leve a madeira, numa palmatoada meramente simbólica: o Golias da classe lhe inspirava respeito e amizade - consideração recíproca que guardamos para sempre.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

... senão



... senão a manhã não chega
se esgueira
respingos da chuva
insistente de nada
aroma do café
que não se anuncia
pela casa

.. senão o dia não chega
nem termina
as crianças não têm volta
da escola
estão todas soltas
pelas ruas
nuas
estão nuas
sem rostos

há um jeito de casa
estiolada
de fim de linha
placa de “vende-se”
impressão de homem
na calçada
camisa do Flamengo
desbotada
cigarro sem fósforo
cerveja sem álcool
bife de soja
o número do celular que você discou
não existe
a Internet caiu
você está no teatro
pelo lado de fora

30.09.2014