sexta-feira, 22 de julho de 2022

FOLHA


 

pe-da-la-das

pe

da

la

das

 

de

bi-ci-cle-ta

bi         ci        cle       ta

 

 

   le-ve-za

 

le         ve        za

d  e

corpo              e         

alma!

 

 

22/07/22

22/07/22

segunda-feira, 30 de maio de 2022

Apego

 


 Apego

 

1.

O que me faz apegar à vida

é a possibilidade da poesia

que eu quase pego.

 2.

De outra, eu apanho

Escorregadia, não vai me faltar

 até o seu vazio é uma forma de estar.

3.

Pela fenda do telhado enegrecido

migalhas de vida ao romper dos dias

em  réstia de sol recolhidas.

 

 


14/05/22

terça-feira, 26 de abril de 2022

Pegação

 

               

De namoro mesmo, tudo certinho, civilizado, era só Silvino e Lourdinha, sentadinhos os dois lá atrás; o resto da meninada só na conversa, rosto coberto de cravos e espinhas,  e muita punheta:

            - Gustavo e Sandra também – falou Ronaldo.

            - Respeite a colega, cara! – respondi, tirando o corpo fora do rol dos casais de namorados que estavam fazendo. - Só porque a gente anda juntos, porra – protestei.

            No fundo tinha sentido fazer aquela inclusão, pois a gente, eu, nos meus quatorze e ela nos seus 16 anos, era só na pegação, pelos corredores do ginásio. Além do mais, me preenchia muito o ego. Dava uma moral! Numa renovada aparência, de bigodinho raspado, graças ao barbeador que ganhara de Sandra no amigo secreto. Mas acontece que Sandra, que já era moça feita, como se dizia, era para namoro firme e casamento. Se ela soubesse, eu que ia levar bronca e perder a mamata dos amassos. Por isso sem forçação de barra. Também, que circulasse tal conversa no meio da turma, pelo menos. Sandra me colocou num canto e falou, sem alarde, numa boa, para terminar com aquilo, senão iam pensar que estávamos namorando. Mas enquanto falava, eu ia aceitando uns amassos e uns beijinhos de leve.

            - Tá ouvindo, menino? – dizia espalhando tapas, que eu suportava no desgrude, naquela fresca da tarde.

            - Mas você não vai ficar com ninguém por aí não - falei em retirada.

- Então não seria melhor para depois da quadrilha de S. João? – ela me reacendia.

Combinado não saia caro. Ela explicava  que eu era ainda menino e ela tinha que estar pronta para firmar namoro sério. Depois, me deu um retalhinho de amostra do pano para a confecção de minha camisa.

- Vai ficar uma dupla bonita, Sandra – falou uma colega nossa, dessas de segurar vela.

Sandra era rabuda e sua calça acentuava bonito esse detalhe. Era bom quando, armado,  ela vinha e encostava com o frescor do banho tomado e o toque do almíscar no pescoço, só encostava, só... Tinha que correr às pressas ao banheiro. E ela sabia desse meu segredo, a “desgraçada”.

 

domingo, 20 de março de 2022

Tempo das manguitas

 conto: Um adolescente, tarado por manguita e pela dona do pé de manguita, vizinha de quintal.  Um dia Glauce, a vizinha, sabendo que ele estava só, entra na casa procurando por Vanda, irmã dele.

Havia no nosso quintal todo tipo de manga, mas a que a gente mais desejava, pelo menos eu, era a do vizinho. Uma árvore que se erguia frondosa, sombreava o quintal e o resto da vida. Parecia botar suas manguitas de fora em pontinhos amarelos e rosas.

Ainda era de se acrescentar: com o apetecimento que oferecia a garota da casa, de cabelos cacheados e fartura de coxas nos vestidos curtos que usava.

- Sobram pernas nesses vestidos que essa garota costuma usar, colhia, escondido, dos comentários maldosos ouvidos no Café que sua mãe, boleira, tocava na parte lateral da casa, quando ela passava perto sumindo lá para dentro.

  Ficava em divagações com a mancha rosa na fruta pedindo para ser mordida. Disputadíssima, estava claro.  

- Ela está quase de vez, dizia na ânsia da permuta, passando a manga rosa para as mãos de Preto, o vizinho parceiro, e recebendo  dele as duas tão almejadas manguitas maduras, que iam ser abatidas num só golpe de boca de um adolescente campeão de saúde e viril.

Negócio feito por cima do muro. Só uma vez alguém comentou:

- Você é besta: manga-rosa vale muito mais que duas manguitas.

Não entendiam. Aliás, ninguém. Mas bem que devia receber naquela troca era Glauce, a irmã, com aquelas duas toras de coxas morenas. Isso sim. Mordia-se a manguita no rosado bico e puxava-se o doce nos fiapos entre os dentes. E não adiantava nada -  com pouco aparecia a imagem da menina travessa com seu vestido colado ao corpo. Aí, após chupadelas, entravam os pelos penteados da buceta  de Glauce .

A época das manguitas se avizinhava com essas primeiras frutas, mas as mangas rosas tiravam onda de difícil e demoravam. Os passos de desconfiada de seriema de Glauce ignoravam esse desencontro de produção agrícola, entrando em casa, a pretexto de fazer trabalho escolar com minha irmã.

- Vanda, eu gritava lá para dentro às vezes, Glauce está chamando! Vamos sentar, Gluauce, dizia apontando o sofá,  com  o olho nas bolas e barra do vestido da garota.

Enquanto isso, o rádio de pilha da casa de Glauce, posicionado no quintal, na sombra do pé de mangueira, retransmitia num alvoroço matinal o programa “Belmiro é o espetáculo”, da Rádio Inconfidência. Mais tarde era o papagaio que iria entrar em ação: - Ô Preto. ... Preeeto...

Preto, irmão de Glauce, era meu colega de ginásio, de estudar e tocar juntos alguns acordes de violão, mais umas duas canções. Só isso. O resto era o turuntuntuntumtun de iniciantes.

Por influência dos gibis e das fotonovelas que líamos, a gente em dupla fazia no caderno umas “fotonovelas”, com texto meu e desenhos caprichados de Pretinho. Dava gosto de ver os desenhos em quadrinhos. Curtia no meu quarto, entre pausas de manuseios dos assuntos de aula, até me envolver no sono.

Dia seguinte, às cinco, era acordado para a Educação Física. O sinal combinado era o barulho que fazia no vitrô do meu quarto uma vara de anzol, lá do outro lado: “Chap-chap”. Se bem que mais elegante, naquele mundo ainda de sonhos, seria despertar com Glauce tentando enfiar aquelas pernonas quentes entre as minhas coxas e me dizendo no ouvido:

- Acorde, menino, que não tem Educação Física hoje não.

 E acontecia de não haver mesmo, para ficarmos às sós, numa boa. Seria feriado ou então o professor, solteiro, acordaria de ressaca.

Guardava a impressão de que o dia não se iniciava sem o alardeio do radinho de pilha da mãe de Glauce.  Não pingava um pessoal de costume na calçada para o Café da manhã, crianças não passavam para escola. Não encaixava normalidade nas coisas, mas uma idéia de fim de mundo ainda com final de feira. Tudo acabado e gente perdida, sem ermo, numa imensidão de mar oceano. Cada pessoa encontrada você olhava como se fosse última vez, com despedida de adeuses e lembrança acelerada de pequenos detalhes realizados no tempo de presteza.

 Aproveitava esse entrecho para últimas ações minhas e de Glauce, com aquelas duas alças de vestido escapando em sistema de revezamento. Caía e levantava. Na verdade, essa questão do vestido de Glauce não era propriamente Glauce, antes era mais de formato de corpo. Que era, com olhos de exagero, num estilo sob medida. Muito queixo caído, muita babação. Mas de uma cruzada de perna de Glauce (um escândalo) teria como se esquivar?! Quantas vezes não tivera que correr até o banheiro para amansar o bezerro? Ufa!

Penso em Glauce com tristeza, pela ausência de seu rosto, só coxas e bumbum. Era uma garota que sobrava corpo sob medida, com as alças de vestidos caindo em mantida decência no traje. Parecia não, com certeza ela veio para ser uma espécie de fetiche erótico ou algo assim. Nesse período de puberdade despertava toda uma geração ou era só eu porque estava ali de perto vigilante, como quem espera a chegada do envermelhecido da pontinha da manguita?

O certo, porém, é que por demais marcou minha vida de adolescente um desses dias, como um dia atrás de outro, e aí é que completava esse bordado: até o radinho de pilha da mãe de Glauce tinha feito sua vez tocando uma canção de Raul Seixas, em que ele se declarava feliz por ter conseguido comprar um corcel 73; o papagaio já tinha grasnado o nome de Preto duas vezes, e as crianças cuidavam  de ir para a escola, tecendo a manhã pelas calçadas em frente; quando deparei com uns passinhos de seriema com as duas bolas ajustadinhas falando com voz de formiga Vanda! Vanda!, enquanto o chão ia sendo forrado do açúcar que caía da garota, que se esvaia em tesão e eu ali circunspecto e firme nos meus doze anos, pensei e nem quis mais pensar.

Abracei por trás a garota, que me escapou frouxamente quando aos seus gritinhos elevou-se por instinto de socorro a voz de irmão, lá embaixo e do outro lado:

- Glauce!

 

domingo, 20 de fevereiro de 2022

Versos intimistas


 

 

6.

Um cheiro que quase se dá e se entrega,

olor de florzinha rocha num arbusto

de quintal.

 

7.

Em longínquo campo, uma flor se ergue e se impõe

mas não se entrega na cor

seu reino, sua glória

flor do algodoal.

 

8.

Seus lábios não dizem o quê

mas nossa música, inaudível, se ouve

tocar.

 

9.

Somos faísca de vida que se escapa

quando se a tem

na palma de mão que mal se vê

esboçar.

 

10.

E daí essa fluência

de poesia

que não se farta, não se cansa

malgrado findar-se o dia.

 

 

7.02.22

NeiGeorgePrado


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Foda-se

 

De repente descobrira-se ali, rua larga e esburacada, mãos dadas com uma garota, uma gordinha, de rosto agradável, como se dizia em família. Caminhava numa leveza de descuidados encontrões, que lhe fazia percorrer ligeira tesão. Vivia um mundo onírico. Mas deu para sentir real um abraço de corpo e alma que lhe brotava como futura lembrança aquela completude -  tinha no que pegar. E pelo menos guardar o olfato do que exalava de refrescante e bom. Assegurado conforto, foi no ouvido dela e sussurrou:

- Lindo instante de existência. Daqui a pouco nós nem nos sabemos mais.

- Foda-se!

Agora que não sabia mesmo. Nem para dizer o nome. A turma se ajeitara. Final de farra, era o que lhe restara: a gordinha. Que, de quebra, era até... bonita.

“Foda-se!” pensou igual. Depois, no carro, negócio de levar a garota: “Entra aqui, pare ali”.

- Portão verde! gritou no seu ouvido.

- Sua casa? perguntou com seu fio de voz.

- De uma amiga, respondeu na mesma firmeza a garota.

Era de manhãzinha. Frio de início do dia e fim de uma madrugada pelos botecos da cidade.

- Vamos tomar café na padaria? propunha ela apontando uma porta que timidamente se abria ainda com escuro.

Dava para encarar. Mas aí ela espionou e viu mesas organizadas. Mudou de preferência:

- Vamos mais é tomar uma cerveja bem gelada... no capricho, disse e bateu na mesa.

Aí percebeu que ia começar outra cachaçada, sob o comando dela. Aliás, ela encampava esse jeito de mandona.

- Vamos até finalizar com um namoro, ousou falar no esteira desse clima .

- Vamos até finalizar com um namoro, repetiu ela. sentando-se no seu colo para acentuar esse entendimento.

            Então Miguel viu que era bom. Abraçou a gordinha e ficaram nesse rala-rala um par de horas, enquanto enxugava cervejas e jogavam conversa fora.

            - Hora de café já passou, constatou,  conformando-se Miguel. - Como dizia um amigo de pescaria: “escovar os dentes”, e virava o copo de cerveja.

- Vamos escovar os dentes! ela como que enxugou metade do copo.

Sentiu o volume na calça aumentar quando ela se levantou e voltou a sentar-se bruscamente. Por duas vezes. Acabou puxando-a para um beijo de abertura, com plano de nessa quentura ligar também as idéias.

Não era “a gordinha” não, a garota arretada tinha nome com certeza, mas de quem se perdera contato depois da pandemia.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

O Papa no Jornal Nacional e eu tomando café

 


 A vida nos ensina a simplicidade. Esfrega em nossa cara todo dia. Antes, na minha irrequietude de jovem, não tinha tempo para essas bizarrices. Imagine, tanto tínhamos para ver e ouvir!

O Jornal Nacional, símbolo consagrado de nosso jornalismo, mostrou ontem uma matéria com o Papa. Nada de especial, uma entrevista distraída com o Papa. Falava da Amazônia, do lixo dos plásticos que se acumulam nos rios, que estão morrendo. Com o bom humor do Santo Papa, abençoando uma loja de amigos numa rua de Roma. Como homem comum, que chegou a dispensar o apartamento papal para morar.  

Me fez lembrar de meu avô, Osvaldo Dantas, e suas bizarrices. Isso nos remetem a uma reflexão. Depois de apresentação da matéria, em que há referência ao poeta Vinicius de Morais e ao cantor Roberto Carlos, ambos brasileiros, e aí já agitamos o  bairrismo que dorme dentro da gente, pouco nos dando com o fato de serem eles, graças a arte, também personalidades do mundo.

Tomo meu café da Barra da Estiva, no quintal de casa, e, dado por satisfeito por saber de tantas informações importantes, tiro simbolicamente o chapéu e digo Boa Noite, William Boner. Meu avô Osvaldo Dantas era quem respondia boa noite ao locutor de então, Cid Moreira, e quando alguém na sala lhe cortava, “oh vovô, não precisa dizer não”, ele emendava: “Como não, meu filho, o homem deu notícia do mundo inteiro (para o nosso conforto), não custa nada responder o   “boa noite”.

Assim sou eu agora. Não custa nada, descobri que a gente responde para gente mesmo, o que, na lição do Papa, é bom para o espírito:

- Boa noite.

Simples.