domingo, 28 de janeiro de 2024

O cara

 

 

- Daqui a pouco ela aparece - disse Valdo descansando o celular sobre a mesa, à sombra da mangueira.

- Bonita, Valdo?- indagava Beto, mais pela curiosidade que admiração que tinha pelo cara.

- ?

Valdo ficou fazendo pose de poderoso, como se fosse o tal. Sua mudez dava azo às especulações que surgiam:

- Loira fatal -  dessas de cinema. - Valdo não é fraco não – arrematava o garçom.

Enchiam a bola dele, que era profissional inteligente mas não abandonava o gosto de curtir uma onda. Beto mesmo guardava vários episódios dele nessas paragens do playboy em decadência.

- Valdo é mais um machão besta, cara. As mulheres não se ligam mais nisso não  - dizia pelas costas a galera do contra.

- É, meu filho, mas aos trancos e barrancos por aqui ainda funciona – dizia o garçom, antes que Valdo voltasse do banheiro à cadeira que lhe era reservada.

Nessa tessitura de tarde de domingo, eis que um mototaxista despejava alguém na entrada do restaurante. Tirado o capacete, surgia uma cabeleira loura num corpo de garota, que ensaiava passos em bamboleio, na direção da mesa onde se encontrava a turma.

- Uma graça de garota! – observou o garçom.

Era sua companheira da noite anterior. Beto logo se tocou. Tinha participado de uma aventurazinha ao lado dela, ao se toparem num barzinho de fim de farra. Lembrou que ela queixava-se da família, a que não retornaria tão cedo. Valdo, com autoridade emanada do seu machismo tardio, guiava os demais gestos da garota em cumprimento de costume. Beto revivia os instantes em que mergulhara no mundo maravilhoso daqueles  cabelos e escutara intimidades e seus segredos, enquanto a mão escorregava pelo rosto de uma oncinha. Estivera com alguém de personalidade:

- Já conheço a história: pagam pra me buscar, depois me penteiam e colocam na vitrine do colégio, que tudo bem.

Não se dava com a madrasta e detonava geral. Beto, na ocasião, deixou que chorasse um pouquinho no seu peito.  Agora estava ali, renovada pelo novo dia, mas com sinais de amarfanhada, que só ele percebia. Até que ela bamboleou e sentou-se ao lado de Valdo, com quem tinha falado ao celular, com entendimento tácito e inteligente de Beto. Não iria perguntar nada. “Vida que segue”, pensou Beto, em reforço às ideias dos amigos de Valdo.


domingo, 14 de janeiro de 2024

Jasmim

 


 

Jasmim era de nome doce.  Tinha tido também comportamento doce, na dela, profissional discreta, não merecia ser enganada, passada para trás nuns trocados. Ela, protótipo de excelência na função, gritou logo para lembrar:

- Ei! Combinado foi duzentos.

- Claro. Tome aqui, Jasmim.

De pronto. Mas a partir dalí é que desandou essa dor de haver magoado alguém com um simples sinal de pretender pagar a menor e esse alguém ser o doce de pessoa que foi a garota.

- Então ela foi legal com você? – era o amigo.

- Nota 10. Nada a reclamar –  explicava.

E assim uma Jasmim ia sendo construída, mas dentro dele, e tomava conta do seu pensamento.  Tudo tinha por começo uma bebedeira com amigos, que resultou estar numa antiga casa, dessas biroscas, de conversa, altas horas, com a dona:

- Você precisa conhecer minha filha.

E fazia uma propaganda da menina.

- Só você ligar pra ela e marcar. Não é para qualquer pessoa não. Gente como você.

- Ela passa “por de fora” daqui. Não é de andar com essa turma não. É diferente, cara – completava o amigo.

Nesses rasgos de elogio, a mãe tirou dos seios e deu a Jaconias um cartão. Andava tão mergulhado que não sabia se acabou ligando para a garota ou se recebeu telefonema dela.  Marcou para sair, pensou que ela não compareceria, mas foi apanhá-la em frente a um orelhão de um hospital.

Bonito avistar uma garota sair de um orelhão e entrar no carro. Foi-se ajustando na poltrona, ele examinando o material, às palpadelas. Logo na cama com a garota, perfumes, tudo nos conformes, ali, para ele, exclusiva. Brincou um bocado, antes de consumar o ato, no antegozo de um final feliz.

Depois veio o astral de uma namorada que passou pelos suspiros de toda uma geração e não ficou com ninguém da turma. Tal musa vivia na imaginação platônica da rapaziada. Algo sagrado, respeitoso. Vira poucas vezes, mas o suficiente para o clique da garota de calça jeans, recanteada, fumando escondido com cara de chorosa. Com Jasmim ele realizaria um sonho perdido, agravado pela forma como procedeu no pagamento do cachê. Agora essa perturbação da mente, sem que se possa corrigir.

 

 

 

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Selinho

 

 


Magda, aluna de faculdade de tempos pretéritos, agora dona de estabelecimento de ensino médio, pediu carona ao seu antigo professor, com selinho de despedida nos agradecimentos. O selinho caracterizava-se pela sua rapidez, quando a pessoa se erguia, com a pontinha da língua, voltando da boca, como autor do gol. Tinha que recordar o decorrido nesse ínterim.

 Muita adrenalina para chegar até ali. Carregava alguns detalhes sobre Magda Marcelina que poderiam definir a incógnita Magda Marcelina. Ou pelo menos arranjar pinceladas importantes para imagem. Mas tudo nela era de prestígio ou de influência zero. Meio oito ou oitenta. Via-se que era uma mulher graúda, dessas que abraçavam seu direito e não arredavam o pé.

 Parecia ter sido menina precoce, de ver satisfeitos seus desejos ao vislumbre de berros reivindicatórios. Lembrou-se dela adolescente abrindo uma mochila de livros quando fora colega de sua prima vestibulanda. Tinha uma caligrafia graúda, de bom visual, que punha de sobressalto o então leitor desavisado. Recolheria de plano tímido desejo.

Tempos depois, ela também se sentaria, atenciosa, na frente na sua sala de aula na faculdade, e estaria irredutível nas lides trabalhistas de empregados não fosse acenada para uma composição amigável. Olhara bem para Magda nesse período, num ela sorria leve ao perscrutar uma tolerância do professor na questão de avaliação, noutro notara seu jeito ardiloso de manipular provas dos autos.

Era uma mulher resolvendo os abacaxis sem marido a tiracolo. Por ocasião dos processos, o jovem preposto da empresa impunha a Magda uma performance de comando. Ou talvez carregasse o detalhe nas duas argolas em destaque, que acenavam  independência de divorciada.

Na estrada o silêncio de ambos falava mais alto. Tratamento respeitoso, lado a lado, desencontros de vidas, conhecimento e reconhecimentos profissionais.  Sem esforço, até que, adiante, no ponto de parada, teve que se inclinar para abrir a porta para a empresária Magda Marcelina caronista escapar e, livre, voar, quem o saberia para onde.

Acabou cedendo um beijo ou a um beijo. Quando menos se esperava, aquele boca a boca com Magda.  Ninguém para impedir, apartar, pisar os freios inibitórios. Nenhuma testemunha. Funcionamento ligth dos elementos internos. E ela saiu como se se esperasse pela realização do ato ou não tivera tempo de posar de estranheza, que não era de seu feitio. Um amor devido para aquele momento. Dívida que fora se acumulando daqueles pequenos encontros circunstanciais, agora com elegância em erupção.

Com o selinho, deram-se por entendidos. Em tamanho e charme.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Gisele

 


      

     

Naquele início dos anos 90, para lembrar um ex-colega, estava todo mundo transando e só ele estava na mão.

- Literalmente – gostava de acrescentar à mesa de amigos.

- Porque você quer – disse Vanda, uma das garotas cobiçadas por ele.

Escamoteava sempre, feito peixe fresco tirado do anzol. Não podia esperar grandes coisas dessa menina Vanda. Beto foi chamado de lado. Ela lhe segredou que já estava com outro, que Beto devia ficar com Gisele, que tinha queda por ele desde menina.

- Vou falar para ela te encontrar lá, tá?

Beto engoliu em seco a pergunta que faria sobre como transportar Gisele. Acabou recebendo dela todo o combinado, que muito o surpreendeu.

Nem mais sabia de Gisele, que era garotinha e mancava de uma perna. Agora se apresentava assim, bonita, aos olhos de entusiasmo de Vanda, que ninguém dava pelo defeito físico. Trabalhão enorme conduzir-se em meio às pessoas, cuidado aqui e acolá na passagem, “com licença’, “com licença”, “desculpe”, “desculpe”. Muito se constrangera na época de ginásio, nas vezes que, por imposição de professores, era tirado para dançar com ela. Questão de direitos humanos, esse beabá todo, que, como bom garoto, teve que tolerar e servir de exemplo.

- Você precisa ver agora!

Sim, mas Gisele via Beto e se acomodara diante do desligamento por parte dele, mais volvido pelos ambientes das “gentes sérias”. E se passasse gente da turma e os reconhecesse? Como ficaria ele com essa garota manca em contraste com seu jeito hábil e viril? Seria um escândalo, que retornaria com outros moldes, mas que podia ser evitado não fosse essa sua tara. Depois, Vanda não estaria  metendo-o numa fria? Ela era amiga de Gisele, não ia fazer tal presepada. Mais que ligeiro, Beto tinha que ir ao encontro dessa nova Gisele. Então virou o copo de cerveja e avisou ao garçom:

- Essa rodada é minha! – disse e saiu como que em busca de um prêmio, descoberto debaixo de sete chaves.

 Para completar, um besouro da luz viajou em sua direção. Afastou-o com um safanão e entrou no carro acreditando ter-lhe ocorrido uma mensagem naquele instante. Algo apanhado no ar, como trilhar pela cautela. Seria refrear seu ímpeto, sob pena de se queimar nas chamas frias da desilusão.

Foi chegar e correr para o abraço num estado de fúria, os dois se desejando, palavras escapulidas na pressa, na ânsia do desvencilhar de coisas estranhas ao ato. Não precisou pronunciar sequer um A. Mãos e pernas se comunicaram em afagos e esfregações, como se reencontrassem após longa ausência.

Aquele encontro com Gisele foi de romper a bolha, com um mulheraço gemendo nos seus braços, sem que se desse por encoberto defeito.


segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Garota da calçada

 


 Sua presença conversando com os cabelos, em frente à sua casa, por volta das cinco da tarde, quando Edu passava pelo quarteirão fazendo bicicleta, era talvez a única certeza do dia. Não dizia nada, apenas apreciava a garota em seu ritual lúdico e ia se dando por satisfeito, até que um dia estranhou a sua falta. Após essa frustração, sem esse facho de alegria juvenil, partiu para colher do casal vizinho do lado informações a respeito dela:

- Cadê uma menina que brincava aqui todo dia nesse horário?

- Foi embora. A família levou de volta pra roça.

“Filhos das putas!” – pensou Edu. Levaram também a tessitura de um cotidiano de rua, que se sabia triste, de um tipo especial, mas que figurava no cenário. Agora destemperava o instante.

Apenas para se situar, nem sabia da classificação da doença. Também não queria ciência por perto, mas aquela arte de expressão corporal, sem a qual não se realizava o romper de vida.

 Depois, ao formular perguntas sobre a menina da rua, passaria a ser tomado por andar na solidariedade com  “doido”. Alguns foram até solícitos, outros nem tanto. Em resumo, a garota era de uma “família de malucos”. Encobria-se qualquer discussão:

- Por que ela ficava como se falasse com a ponta do cabelo? – perguntava Edu.

- Um sestro, não? – justificava um dos moradores.

Após ter vagado costumeiramente pelas ruas de bicicleta, sentiu-se incomodado por aquela ausência. Estando ela na calçada de casa, aproximou-se um dia com um princípio de papo:

- Por que você não veio ontem, hein?

Ela não respondeu, porque não era costume lhe prestarem assunto. Edu também não esperava por resposta. O importante era ela ali, no quadro vespertino. Até que deu de querer ir na zona rural atrás dela. Não esperava causar a celeuma que se instalou pelos cantos.

- Um chefe de família, aposentado, cuidando desses assuntos, sem utilidade alguma, é não ter o que fazer– ouvia-se no diário como uma cantiga.

Droga, só falou com seu jardineiro:

- Como é mesmo o nome dela?

Pelo menos o nome, para guardar. Nem isso.

domingo, 5 de novembro de 2023

Brenda

 

 

            Havia uma no meio delas que, via-se logo, não era para seu bico. Era luz que brilhava lá de cima e iluminava todo o ambiente. Tesouro que se expunha a interesses fantasiosos. Por isso corriam os dias sem segredo, sem qualquer novidade. Charme e beleza. Ela caminhou até a mesa de Beto e, despachada, bradou:

‘           - Não te quero mais com essa pasta executiva velha e feia. Vou comprar uma nova. Você vai trocar. Certo?

             E encostava para falar com Beto, com charme, ao seu modo, e tudo.

            - Ela pegou no seu pé, mesmo, cara – dizia-se.

Brenda, sem as algemas, era uma mulher perigosa, de difícil convívio:

            - Só Marcos para agüentar – dizia-se.

            Era um amigo, para quem estava prestando serviço. Reclamava feito uma metralhadora, dessas  giratórias, e lançava nomes escabrosos. Tirava lascas de todos que ali estavam. Causou grande escândalo numa discussão de transito com o outro motorista. Tantas faíscas saiam desses litígios, que prometiam ato de monstruosidade em praça pública, em pleno sol de meio dia.

            - Pensando o quê? – dizia recobrando o fôlego.

            - Calma, tia – tratava-a assim, para tranqüilidade da nação.

Depois, quem ia ligar para esses espetáculos dados por tia Brenda?

- Ela pode – ouvia-se por perto de algum fã.

De outra feita, olharam-se demoradamente e, bocas murmurantes, tanto o desejo, que quase se adivinharam em beijo, mas o momento rompeu-se num clarão, sem que alguém desse por  fé.

- Gostou da pasta nova? – perguntava para disfarçar a vermelhidão no rosto dele.

- Adorei. Já estou usando.

“Presente de tia Brenda”,  costumava responder aos curiosos. E o véu que encobria esse relacionamento prosseguia na sua firmeza. Nenhum sinal nos céus de alvissareiros, até quando ela apareceu com aquelas conversa no quente, na base da pressão do absurdo:

- Então já que você não vai, me arranja aí um livro emprestado, que eu vim aqui para isso para todos os efeitos.

Passou a mão aleatoriamente num livro da estante e bateu em retirada toda uma aura do deslumbre.

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Vibração

 


         Tremia ao simples toque de mãos. E ainda vibrava quando soltava, que “vinha gente”. E era graúda. Um tipão. Imaginou essa garota assim entre seus braços. Nesse treme-treme de corpo pedindo. Embaixo estava naquele estado que só um banheiro por perto para socorro, um relp. E os tapas que levava a cada aperto, a cada afago,  até a prensada na parede, quando distante a possibilidade de gente chegando! Já nem procurava mais se defender. Gostoso o perfume raso deixado após custoso desenlace.

- Suado, Edu! – ouvia-se adiante, recompondo-se, quando se desgrudavam um do outro.

Tinha-se como impossível um “namoro” entre eles, então era nesse lusco-fusco que tinha se imposto. Cada oportunidade era sem desperdício. Naquela labuta, não havia bagaço de cana pelo chão onde pisavam, repisavam e sapateavam.

- Vamos parar por aqui, Edu – deu uma ordem Eliene.

- Não fale assim não., Eliene. Só um pouquinho.

- Não posso alimentar esperança porque você...

Aproveitou que estava acabado o que nunca começou e tampou a boca de Eliene com um beijo, que ela aceitou, e uma encostada na parede, por fim..

- A gente fica sob protestos, já que a gente não pode e eu pergunto agora por quê?

- Ah, vocês... Sua família vai mesmo aceitar essa Eliene? Eliene  de quê? O quê? Essa menina vai interromper seus estudos?

- A gente vai rompendo... – falou quase sussurrando.

Ela estremeceu e de imediato se encolheu, bonitinha.

- Vou é embora! – disse e saiu.

Ficou por um longo tempo refletindo sobre esse rompimento de um relacionamento que nem aconteceu. Também ela iria fazer vestibular. Custava nada um namoro, porque a questão era mais de atração física de adolescente. Não se admitia pretender a garota sem a pretensão matrimonial. Edu até entendia esse lado mas não concordava. O mais certo, porém, era deixar de ver Eliene e se contentar com a lembrança de um dia, sob recusas, haver tocado uma garota e sentido aquela sua vibração. E uma vibração igual a de Eliene  não existia outra igual.