segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Duas maçãs

 


 

            Beto abriu a geladeira e apanhou duas maçãs. Mordeu uma e guardou a outra para a garota, que retornava do banho. Garota, adjetivo por demais elogioso para quem era divorciada e mãe. Mas ele podia pensar assim. Autoridade de quem foi contemporâneo de ginásio e à distância admirava aqueles olhos verdes. Para sempre. E agora que havia acabado de tomar umas cervejas juntos, via cavalo selado passar diante da porta e não podia deixar escapar. Nesse interregno, tivera apenas flashes de notícias do casamento, do filho e do divórcio, mas sobraram ainda a garota Clotildes e seus esverdeados olhos.

             Muito “latim” gastara para chegar até ali e dava graças a Deus.. Era um domingo com novidade de futebol com funcionários da empresa para qual ela trabalhava  como secretária.  Sentara-se no meio da torcida, cumprimentando-a:

            - Olá! Quanto tempo? Tudo bem?

            - Tudo bem. Cadê seu amigo Tom?

Disse que ele não iria aparecer, claro. Porra de Tom! Tinha que procurar a turma dele, dadas as peraltices de solteiro e não se infiltrar no meio dos trintões! Além do mais, em vez de recepção esfuziante um maior conhecimento de causa acumulado. Que dava para desfrutar como se saboreasse um sorvete de casquinha.  Num papo delicioso, que fazia a garota tremer ao rir:

- Risada bonita a sua – falou Beto.

Tom já era passado. Falou-se da beleza que ela exalava.  Da empresa, Passou a olhar com mais simpatia o imponente emblema no ônibus que os transportara. Sua imagem era dessa possante marca, integrante do cotidiano. Acompanhava também os colegas, como apoio moral no esporte, forma de interagir.

- Lembro-me do seu irmão, ponta direita do nosso time no colégio. Cobrava faltas. Mas eu gostava dele por causa dos olhos, iguais aos seus,

-  Eu era desejada pela meninada, bons tempos – disse, prendendo Beto às bolas de gude que carregava no olhar de ardósia.

- Desejo que continua, Clotildes – Beto sinalizou uma cantada envolvendo-a com um abraço, quadro que permaneceria daí em diante regado a cerveja no meio da torcida.  – De você só as  manchetes me chegavam.

- Pelos menos dava manchete? Espero que..

- Não. Casamento, filha e divórcio. Só.

- Já passou, graças a Deus!

- Claro. Para mim, você é a garota comportada da banda do sete de setembro. Hoje é meu reencontro. E vamos tomar mais uma rodada.

Afogueados pelas latinhas de cerveja da tarde, ajustaram-se para um beijo de velhos conhecidos, no momento crepuscular em que os carros se movimentavam em retirada numa buzinação sem fim;

- Aqui eu sou só comerciante e há coisa que não vejo – era a dona da barraca anunciando não se importar com a condição de casado de Beto..

- O jogo terminou empatado e o ônibus estava chamando.

- Eu te levo no meu carro, disse a ela, que foi correndo avisar o motorista do transporte de logadores.

Perpassado na memória como uma fita de cinema, viu-se conduzindo Clotildes ao leito para uma transa normal, sem artifícios amorosos. Antes do carro se por na estrada, Beto entregou a fruta a Clotildes, que deu uma mordida de romper o silêncio. Pronto, as maçãs finalizariam, a contento,  o reencontro daquelas duas vidas.  

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