Beto
abriu a geladeira e apanhou duas maçãs. Mordeu uma e guardou a outra para a
garota, que retornava do banho. Garota, adjetivo por demais elogioso para quem
era divorciada e mãe. Mas ele podia pensar assim. Autoridade de quem foi
contemporâneo de ginásio e à distância admirava aqueles olhos verdes. Para
sempre. E agora que havia acabado de tomar umas cervejas juntos, via cavalo
selado passar diante da porta e não podia deixar escapar. Nesse interregno, tivera
apenas flashes de notícias do casamento, do filho e do divórcio, mas sobraram
ainda a garota Clotildes e seus esverdeados olhos.
Muito “latim” gastara para chegar até ali e
dava graças a Deus.. Era um domingo com novidade de futebol com funcionários da
empresa para qual ela trabalhava como
secretária. Sentara-se no meio da
torcida, cumprimentando-a:
-
Olá! Quanto tempo? Tudo bem?
-
Tudo bem. Cadê seu amigo Tom?
Disse que ele não iria
aparecer, claro. Porra de Tom! Tinha que procurar a turma dele, dadas as
peraltices de solteiro e não se infiltrar no meio dos trintões!
Além
do mais, em vez de recepção esfuziante um maior conhecimento de causa
acumulado. Que dava para desfrutar como se saboreasse um sorvete de casquinha. Num papo delicioso, que fazia a garota tremer ao
rir:
- Risada bonita a sua –
falou Beto.
Tom já era passado. Falou-se
da beleza que ela exalava. Da empresa,
Passou a olhar com mais simpatia o imponente emblema no ônibus que os transportara.
Sua imagem era dessa possante marca, integrante do cotidiano. Acompanhava
também os colegas, como apoio moral no esporte, forma de interagir.
- Lembro-me do seu
irmão, ponta direita do nosso time no colégio. Cobrava faltas. Mas eu gostava
dele por causa dos olhos, iguais aos seus,
- Eu era desejada pela meninada, bons tempos –
disse, prendendo Beto às bolas de gude que carregava no olhar de ardósia.
- Desejo que continua,
Clotildes – Beto sinalizou uma cantada envolvendo-a com um abraço, quadro que
permaneceria daí em diante regado a cerveja no meio da torcida. – De você só as manchetes me chegavam.
- Pelos menos dava
manchete? Espero que..
- Não. Casamento, filha
e divórcio. Só.
- Já passou, graças a
Deus!
- Claro. Para mim, você
é a garota comportada da banda do sete de setembro. Hoje é meu reencontro. E
vamos tomar mais uma rodada.
Afogueados pelas
latinhas de cerveja da tarde, ajustaram-se para um beijo de velhos conhecidos,
no momento crepuscular em que os carros se movimentavam em retirada numa buzinação
sem fim;
- Aqui eu sou só
comerciante e há coisa que não vejo – era a dona da barraca anunciando não se
importar com a condição de casado de Beto..
- O jogo terminou
empatado e o ônibus estava chamando.
- Eu te levo no meu
carro, disse a ela, que foi correndo avisar o motorista do transporte de
logadores.
Perpassado na memória
como uma fita de cinema, viu-se conduzindo Clotildes ao leito para uma transa
normal, sem artifícios amorosos. Antes do carro se por na estrada, Beto
entregou a fruta a Clotildes, que deu uma mordida de romper o silêncio. Pronto,
as maçãs finalizariam, a contento, o
reencontro daquelas duas vidas.
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