quarta-feira, 19 de abril de 2023

Um rato no caminho

 

 

No meio do caminho tinha um rato. De como a poesia de Drummond acabou por interromper breve flerte que Eduardo teve com uma colega de faculdade. Enquanto se declamava o poema, um mamífero apareceu de supetão em lugar da pedra e a coisa desandou.

Bem que andou sondando essa garota, ao atender pedido de carona da moto namoradeira. Tal comentário era da turma que costumava rachar cervejada no entorno da escola. Até trabalho escolar se fazia na mesa de bar. Quando Eduardo entrava pedindo uma gelada, mesas já ocupadas, vinha na sua cola uma menina que tomava anotações da sua explanação num caderno: “ Aí que entra o movimento da Semana de Arte Moderna de 1922..” – arrematava Eduardo.

         A garota se sentava ao lado e repetia, anotando:

- Espere aí:” ...  semana de Arte Moderna de 1922.” Só isso?

- Depois você pesquisa, moça. Aí é só pra você se situar – dizia Eduardo, cercado das alunas com a desculpa de que tinham que ralar durante o dia nos seus empregos e não tinham tempo para aprofundamento nos estudos. Ao final, elas se levantavam para ir embora, obedecendo ao processo de rachadura de conta, por força do feminismo em voga:

- Deixamos três pagas. Tchau.

Então virava-se a página do sacrifício. Foi num desses dias que notou o esforço de maquilagem de Marlene numa tentativa de conciliação de ritmo de vida. Via-se, no meio do esplendor, no dizer de outro poeta, o fio puxado da meia-calça aparecendo. Passou a se interessar mais por Marlene. Por admiração ou pena. Por isso não foi de causar nenhuma estranheza Marlene estar sentada de prosa com ele. Não era secretária, como as demais colegas, mas recepcionista de uma empresa e tinha que andar arrumadinha. Mais leve. Se bem que fazia as vezes de uma ao usar do telex e ter que redigir cartas, sempre com pressa e desembaraçada. Marlene eficiente. Só ela no curso superior e no trabalho, para ajudar na despesa, já que os dois irmãos ainda freqüentavam o colégio. A filha mais velha de um sargento da Polícia Militar aposentado tinha que ser exemplo. Marlene encaixava-se nesse perfil.

Ela iria na moto namoradeira naquela noite. Estava acertado. E a moto perto do portão.  Mas não foi fácil se arrancar dali após a última aula. Em meio a estudantada, teve que aguardar com paciência que não tinha. Muito novo para essa ansiedade, diziam colegas dele, mas pouco se lhe dava com isso.

Um poço de tranquilidade era Marlene, quando a avistou arrumada ao seu modo, com argola. pulseiras e sem pressa. Mas de saia, não garantia posição cômoda na garupa. Sentava-se de lado. Iria assim mesmo e, equipado, encostou a motocicleta no portão para sentir o abraço da caronista. Depois,  o frescor da noite ao dar partida e sair com barulho característico de juventude responsável. Andar com uma princesa, tinha que ser nos moldes. Marlene era na fantasia da rapaziada um grau dessa nobreza. Para as garotas, que torciam o nariz, papel de mais uma metida, sem sabor. Eduardo, indiferente a essa guerrinha de dondocas, aceitava vassalagem da mulher batalhadora, que dava conta também da faculdade.

Ficava na periferia, num conjunto habitacional, o apartamento da família. Embaixo, no estacionamento, deixaria Marlene quando surgiu um rato de tamanho exagerado, em desabalada carreira, e passou embaraçando entre a moto e a perna de Eduardo, que quase foi ao chão.

- Não repare não, Edu. Tchau – lamentou a princesa, toda vermelha e sem beijo de despedida.

A moto namoradeira, sem sucesso, foi acionada de volta, querendo distância dali.

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