segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Vibração

 


         Tremia ao simples toque de mãos. E ainda vibrava quando soltava, que “vinha gente”. E era graúda. Um tipão. Imaginou essa garota assim entre seus braços. Nesse treme-treme de corpo pedindo. Embaixo estava naquele estado que só um banheiro por perto para socorro, um relp. E os tapas que levava a cada aperto, a cada afago,  até a prensada na parede, quando distante a possibilidade de gente chegando! Já nem procurava mais se defender. Gostoso o perfume raso deixado após custoso desenlace.

- Suado, Edu! – ouvia-se adiante, recompondo-se, quando se desgrudavam um do outro.

Tinha-se como impossível um “namoro” entre eles, então era nesse lusco-fusco que tinha se imposto. Cada oportunidade era sem desperdício. Naquela labuta, não havia bagaço de cana pelo chão onde pisavam, repisavam e sapateavam.

- Vamos parar por aqui, Edu – deu uma ordem Eliene.

- Não fale assim não., Eliene. Só um pouquinho.

- Não posso alimentar esperança porque você...

Aproveitou que estava acabado o que nunca começou e tampou a boca de Eliene com um beijo, que ela aceitou, e uma encostada na parede, por fim..

- A gente fica sob protestos, já que a gente não pode e eu pergunto agora por quê?

- Ah, vocês... Sua família vai mesmo aceitar essa Eliene? Eliene  de quê? O quê? Essa menina vai interromper seus estudos?

- A gente vai rompendo... – falou quase sussurrando.

Ela estremeceu e de imediato se encolheu, bonitinha.

- Vou é embora! – disse e saiu.

Ficou por um longo tempo refletindo sobre esse rompimento de um relacionamento que nem aconteceu. Também ela iria fazer vestibular. Custava nada um namoro, porque a questão era mais de atração física de adolescente. Não se admitia pretender a garota sem a pretensão matrimonial. Edu até entendia esse lado mas não concordava. O mais certo, porém, era deixar de ver Eliene e se contentar com a lembrança de um dia, sob recusas, haver tocado uma garota e sentido aquela sua vibração. E uma vibração igual a de Eliene  não existia outra igual.

domingo, 29 de outubro de 2023

O calcanhar

 



 

Melhor presente que lhe podiam ter arranjado. O problema era o aperto no calcanhar de aquiles. Não se podia acolher acusação de culpar apenas pela proximidade de suposto agressor. Não houvesse ninguém por perto, ela nomearia culpado objeto inamovível.  Sempre assim. Forma fácil de se colar às costas o termo responsabilidade.  Bem sabia a porta que prendia o dedo ou o telefone com notícia desagradável.

- Você me irrita.

Não tirava a trava dos olhos para descobrir que o problema que também morava com ela era ela própria. Nunca dizia, em sua defesa, nada nesse sentido. Achava ter demorado muito para apontar nela essa falta. Enquanto, por outro lado, corria a adrenalina. E aqui merecia também uma digressão. Esse suposto agressor já carregava consigo um tipo de complexo de profundo medo. Daí, após tortuoso percurso, essa tardia descoberta.

 Agora como saber portar-se diante dessa nova realidade? Andara como que pisando em ovos, se policiando, com receios de recaídas ou verdades ocultas se revelando, quando nem pretendia enfrentá-las. Para alcançar êxito, iria pelas beiradas. Por exemplo, não mais deixar ventilar assunto, que morreria ali mesmo. Só nos gestos, em complacência, manteriam entendimento mútuo desse disfarce,

Ser irritada implicava, por lógica, que alguém praticara a ação. No caso dela, se  ele discordava dos conceitos que ela guardava das coisas, era ele que praticava a ação. E ponto final, não importava que ele nem sequer tivesse deixado de exercer esse direito de ação.

Descobrira também, como prêmio de maturidade,  nesse processo de convivência, a sensação de haver alcançada a nobre compreensão das coisas.

***

  


quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Samanta

 

 


                   

Samanta era o seu nome. Se não era, passava a ser dali em diante. Adolescente de arrancados pedaços. Pelo menos, um nome bonito já levantava o astral. O resto era o famoso “banho de loja”. Nem tanto banho assim, mas um traje decente, sem imponência alguma, nem “flor no cabelo”, como cantava o poeta. Samanta merecia música, tanto que aproveitou o violão e fez uma para ela. Depois cantarolou. Sem alteração de semblante, ela ouviu a canção. Empolgação, num improvisado prelúdio de sexta-feira, só a do autor. E ela, sem entusiasmo algum, ali figurava servindo às mesas.

O que mais esmorecia Beto, no seu terceiro trago, era a timidez de Samanta. Não tinha o ímpeto de falar com sua chefe: Quero sair mais cedo e coisa e tal.

- Depois que lavar as louças da pia, ela vai – disse uma senhora com ar de patroa, que escutara dele o oferecimento de carona, como se fizesse um imenso favor.

 

Favor coisa nenhuma! Beto pediu outra cerveja, enquanto a garota tratava de deixar a pia arrumada. Lembrou-se da canção de Odair José, que homenageava a empregada doméstica, e sob o efeito da bebida começou a se sentir o tal. Queria entrar no universo de Samanta. Ser o seu herói. Ideia brega? Mas nessas brincadeiras, que beiravam o ridículo, tinha sentido. Ou não?

Eu vou tirar você desse lugar - cantou baixinho trecho da canção,  erguendo o copo de cerveja.

A canção, no entanto, era de uma outra época. Não dizia respeito a vida levada por Samanta. Mas eis que estava manobrando o carro com uma mocinha dentro. Notou que Samanta, pobrezinha, assim do lado, era uma invisível. Também não conversava,

 - Era seu horário de saída?

 - Um pouco mais cedo – disse Samanta.

- Eu trouxe umas coisinhas pra você vestir pra mim e ficar menos triste.

 Beto não esperou por resposta e falou entregando-lhe uma sacola:

 - Comprei umas coisinhas pra você. Têm aí umas roupinhas, umas langeries, blusas e uma calça jeans, no jeito de vestir, tamanho “M”.

Só Beto falava:

 - Vou deixar você em sua casa. Quero que você ponha a roupa nova pra mim, tá? Vou esperar você se aprontar.

- Me deixe aqui.

Queria se preservar em relação à irmãzinha. Então seguiu sozinha. Tomaria logo um banho e viria ficar com Beto ali por perto num barzinho. Beto viu a garota se afastar com a sacola, mas sem nenhuma pose característica.   Deixaria seu molejo para quando se aprontasse ou, macambúzia, se recolheria simplesmente?

Tomava umas cervejas, enquanto espiava a porta do boteco de minuto a minuto, até que resolveu demorar-se nesse assanhamento. E assim permaneceria até que se sentiu, em surpresa, duas mãos femininas lhe tamparem as vistas.  Quando recobrou a visão, deparou-se com uma garota cheirosa de nome Samanta.  Era a dele.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Ovo de cocá

 


 

 

           

            Nuance de uma garota que parecia assegurar antigo amor de ginásio. Imaginou-a saindo do banho atoalhada, recendendo à lavanda.. O dia se dando em cumprimento. O gato deixando sua cauda enroscar nas pernas do seu dono e ninguém gritava ao portão.

Tentava assim catar por trás ao ajustar com a mão o membro, que, escorregadio, se escapava mas, numa chamada, voltava para seu lugar de conforto. Havia expressão de gozo nessa escapada, quando conseguia encaixar, com toalha em queda e mãos grudadas nas ancas de Lílian, agora arqueada e com respiração de Beto cada vez mais frenética:

- Lílian, pequena, você me mata – conseguia dizer.

Fora esse lance, o outro que também marcou: o corpo da pequena Lílian estirado na cama, nudez com morrinhos, tudo no estilo ovo de cocá como diminuta e concentrada ela se apresentava.

Depois era isso, sensação de grandeza penetrando um ínfimo que elastecia, sabia-se lá como. Coisas que aconteciam, após um namoro de boa prosa, tanta tranquilidade, de tal forma que ao se despedir de Lílian, teve que ouvir dela uma obviedade:

            - Beto, você esqueceu que eu sou puta?

            Enfiou a mão no bolso e tirou dinheiro da carteira. Era uma princesinha.

           

domingo, 8 de outubro de 2023

Domingo numa birosca

 

 

 

 

                                                               

Beto ia passar o domingo assim, numa birosca daquelas, com Zizi de companheiro, de olho aceso numas meninas, com um violão e uma revistinha das canções de Roberto Carlos? E havia outra opção para quem andava com dinheiro curto no bolso ou nem isso?

- Mais uma, comadre! – pedia Zizi para alegrar a mesa.

Vinha a dona com a cerveja. Zizi provocava:

- Qual é mesmo o caso daquelas duas ali, Dona?

- Solteiras.

Dona era espirituosa ou sacana nas respostas que dava. Vez em quando, ela soltava uma das suas: “Sai fora, tem gente no pedaço” ou então: “Ela não gosta de menino não.”

Assim, pelo balanço que Beto pôde fazer, ela quis com “solteiras” dizer liberadas. Cantou Proposta do Rei para ela, que logo ficou encaixada ao ambiente. E Zizi, meio tomado, querendo trazer as duas para a mesa.

- Calma, Zi – pedia Beto, que conhecia bem as cachaças de Zizi.

E voltava a atenção para o instrumento. Viajava na canção. Até que prestou atenção na parceira da gordinha e viu um jeito nela de tardes de domingos. Precisava dizer dessas tardes a ela., que procurava cantar no tom.  Beto encerrou e deu uma escorregada para o banheiro. 

 

 

Na volta da toalete conversou com a gordinha. Nem foi conversa, foi telepatia. Ficou de Beto levar Zizi para casa e voltar mais tarde para casa dela, ali mesmo na rua, prédio em construção, que elas também tinham que tomar um banho.

- Pra renovar! – gritou para Beto que, agora armado, pedia a “saideira” e voltava para o seu Roberto Carlos .

Era o domingo se revelando. Conforme combinado, com muita peleja conseguiu colocar Zizi no carro;

- Não, Zizi, as meninas vão tomar um banho.

 -  Então me deixe  num barzinho novo perto de casa.

 

Mas o domingo não se realizaria se fosse dormir sem passar pelos braços de Dany.

-  Não repare, não terminei ainda – desculpava-se a dona da casa.

Paredes sem rebocos, pontas de ferro e restos de materiais de construção. Ia caminhando com cuidados.

- Quem chamou? - perguntou Beto diante da naturalidade da dona da casa.

Um louro chamava Dany. Ela  apresentava a casa e ia se explicando, que Dany mesmo tinha tomado banho e estava dormindo. Que ele sentasse, tomasse uma latinha (foi até a geladeira) e esperasse por Dany.

- Tem que avisar o louro.

Ela sorriu com a piada e  teceu comentário sobre os costumes do papagaio.

- Pode acordar Dany, louro. Chega de dormir.

- Se ela estiver dormindo mesmo, deixe dormir – falou Beto abrindo a latinha.

- Acabei de dar um banho nela para ver se melhora, mas agora já tá boa, renovada, entre lá no quarto – garantiu a gordinha.

- ?

- Por ali. Fique a vontade.

Seu astral foi   para cima! Um quarto de solteira de tirar o chapéu.

- Como diz uma amiga minha “seu quaro é de Londres”.

Fechou a porta:

- Vou deixar vocês às sós – escutou Beto.

Dany estava atoalhada na cama dormindo. Aproveitou e foi no ouvido dela e disse um  “pode ficar assim  mesmo, darling”.  Quando se viu estava por cima dando uns tratos. Quem era mesmo de Londres era Dany de toalha, que podia mexer num abre e fecha. Após uns cumprimentos na parte superior, Beto foi escorregando de boca até encontrar um poço a perfurar e ali gastou uns minutos apreciando os grunhidos de Dany, quando resolveu entrar e tomar pé. E para completar Dany era quem no exato instante lhe agradecia ao ouvido: “Obrigada!”,  sem o que não ganharia aquele domingo.

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Edite


 

 

Não era uma garota branca de feiura, mas de ausentes traços aparentes de beleza. A questão não era saber e sim entender. E ele guardava consigo esse entendimento. Por debaixo daquela blusa de Edite, saltavam uns seios mais arrumados do mundo. Tocá-los era sensação de chegada ao monte do Everest ou algo parecido, cume de uma perfeição que maravilhava em demorada contemplação. Isso num ambiente a dois, em silêncio. Silêncio das montanhas. Para completar, tinha também de positivo os cabelos louros e sedosos. Ficava até o horário de fechamento dos barzinhos. Era uma das últimas a sair. Um conhecido passou por ali e viu Beto com ela à mesa.

- Como é que você se senta com aquele inseto? – pergunta que dias depois fingiu não escutar.

Também não dera seguimento ao papo. Dava uma cortada em conversas como essas, que ricocheteavam ofensa à pessoa humana. Além dó mais, não via essa feiura na moça. Aliás, nem olhava. E, quando um dia parou para ver, preferiu voltar-se no estalo daquele olhar, lembrando-se de sua mãe quando se deparava com pessoa assim:

- É de doer.

Por mais que ela se ajustasse no traje, mas devia em encanto e graça. De outra feita, a colega demorou no papo, se achando, até descobrir que ela era quem estava sobrando ali e então se ergueu num gesto de solidariedade a amiga Edite.

 Sem defeitos físicos ou outras anormalidades, Beto passou a manter Edite como sigilo. Não iria dar com a língua nos dentes. Falar de quê? De roupas? Da prosa? Não se enfeitava, andava no luxo modesto, pouca prosa. Moça que apenas se prestava ao papel de uma acompanhante e seus mistérios. Decerto que podiam pensar que diabos queria aquele cara com uma menina feia daquelas? De sua parte, nunca iriam saber. Da impressão táctil das suas mãos no deslizar macio sobre os seios montanhosos ou do sono leve para onde o levavam os caminhos da seda no descanso de guerreiro, depois de bebedeiras.

Tinha que terminar o caso. Descobria que ninguém dava importância ao fato. Seus scraps apaixonados morreram com o Orkut. Precisava conversar com alguém, mas jamais iria procurar aquele que utilizou uma palavra horrível para se referir a uma pessoa, uma mulher.  Não valia a pena dar espaço de diálogo a um cara daquele. Então ligaria para Edite, antes de se programar para noite.

- Descobri mais uma coisa de você – disse ao telefone.

- O quê? – espantou-se Edite.

- Sua voz é bonita. Com uns treinos, já pode trabalhar numa rádio.

- Sério?

Depois, aprontando-se para um último encontro, lembrou-se dos versos de Manuel Bandeira: Como deve ser bom gostar de uma feia!