Ainda na fase de escarafunchador de
inutilidades de quintal e achados maravilhosos, Ítalo acabou por descobrir algo
interessante. Tanto que essa descoberta lhe deixou marcas. Como o caso de uma
nubente que era para ficar hospedada na casa dos pais de Ítalo só enquanto se
resolvia com a família o dia do casamento. Até lá, aguardava-se como nubente.
Era um passarinho doméstico, de tentativas agrestes em voos além de suas
cercanias de habitat.
A garotinha, que
sonhava com florestas e lobos, passava os dias sentadinha. E quando Ítalo saía
do banho para a escola, costumava de início receber dela uma fixação nos seus
trejeitos de menino. Depois, como fosse de prêmio, resolvia aplicar beijo na
boca. Atitude de quem, em rápido olhar certificador, precisava com urgência de
tal providência. O queixo de Ítalo era imobilizado pelas mãos de alfazema suíça.
Exalado o cheiro, era liberado com um empurrãozinho de “corras”. Garantido em
negócio estranho, de língua invadindo a outra boca, tomara aquilo como segredo
que ele haveria de manter com Arlete. Ninguém dizia nada, só cumprimento de uma
formalidade de instinto. Mas Ítalo
sentia que era errado.
- Eco, gosto de cebola!
– dizia e ameaçava cuspir.
Mas aquele molhado de língua se mexendo na
intimidade o punha fora de tempo. Ficava expulsando da lembrança o gosto ruim,
para apreciar só o beijo associado ao perfume. Tinha que contar para alguém,
gente grande. Só que isso quebraria o segredo imposto pela tácita
vulnerabilidade da nubente. Ela que andava alegrezinha às pampas. Arlete tomava
banho de tardezinha e se aprontava diante da penteadeira, esperando na janela um
noivo que nunca dava as caras. No mais, entocava-se no quarto de visita e, por
vezes, aparecia à sala, para atender às satisfações prestadas sobre a estranha
hóspede:
- Aí o pai resolveu
deixar aqui até completar a idade e se resolver – explicava o pai de Ítalo em
conversa na sala com amigos
- Mas vai casar? – quis
saber o amigo.
- Tem plano: o pai do
moço deu a palavra – respondeu o hospedeiro.
O amigo meneou a cabeça:
- Tão novinha!
- Essa meninada de hoje
não espera mais não – concluiu a mãe de Ítalo, em apoio.
A especulação sobre a
menina passava incólume, deixava de incomodar. O pai de Ítalo tornava-se
responsável. Assim, abafava mais a necessidade férrea de contar o ocorrido.
Coisa de gente grande. Além do mais, para alcançar a nobreza do perfume, tinha que tolerar a fealdade da cebola. Segredo era sagrado e
ponto.
Então não havia mais
quarto de visita na casa, pois já se falava em quarto de Arlete. E ela saía
mais da janela. Sem timidez, vinha para as calçadas, apreciar a criançada nas
cantigas de roda.
Ítalo, que passava a se
considerar importante, comparado aos demais, sentiu-se no auge ao ganhar um demorado
beijo de cebola, às vésperas de uma certa manhã. Nesse dia, não houve
despedida, a família de Arlete, às voltas com um jipe alugado para apanhar a
noiva, fez manobras e pegou a estrada. Arlete foi levada com a primeira réstia
de sol e o louro na mureta ainda gritou o nome dela.