quarta-feira, 13 de março de 2024

Pepita

 

 

Chegou despejando sobre a mesa pacotes de compras e sua inseparável pasta notebook–executiva. Acima do Box, lia-se Crevettes – frutos do mar. Estava escolhido o local para arrancho. Modo de dizer para quem fazia tempo não tinha esse prazer de estar na capital, pronto para, dever cumprido, tomar umas e se preparar para retorno à vida pacata do interior. Ficaria em companhia dos chopes, saboreando uns livros recém-adquiridos, para completar a situação de batida em retirada.

 – A volta dos que não foram – Beto riu ao lembrar brincadeira de menino.

Tinha um resto de noite para bestar. Que viesse mais o que fosse que ele, Beto - Cansado de Guerra, traçaria. Afinal, desincumbira-se de dura missão, ao trazer na pasta o protocolo de entrega do esforço efetuado nos últimos dias. Resultado de trabalho sob pressão salvo por uma jurisprudência recentíssima do TJ do Paraná, pescado na internet de perdidas noites de sono.

- Outro chope aqui, tio – pedia como em comemoração.

Iria aguardar decisão do tribunal. O decisium que juntara em sua sustentação fora inédito. Com certeza, um golaço de Beto, por isso, como se dizia então, iria para galera,

- Pode ir que olho pra você – disse a mulher de vestido amarelo, vizinha, solícita, quando viu que ele erguia para ir ao caixa renovar a taça.

            Agora que ele, saído do mergulho dos livros, dava conta do ambiente que mudava com o movimento de pessoas no shopping. Mas tinha que estar vigilante, diante das conversas de golpes num lugar como aquele. A mulher abriu um sorriso para explicar a ele sobre vacilo de fregueses e aproveitamento de uns moleques, mas que ficasse tranquilo que ela estava ligada. Mostrava experiência.

         - Mas os serviços de segurança têm melhorado com a política adotada pela direção. Tinham que resolver a parada com esses “trombadinhas”, afinal.

            Queria encompridar a conversa, por isso Beto disfarçou fingindo mergulhar nos livros. E ela, feito uma tia divorciada, atrás de manter uma prosa receptiva, às respostas de ‘hunhum”, “hanhã’, não se recolhia facilmente. Resolveu então encarar a “tia” no seu vestido amarelo. Para começar, não gostou do cabelo, mas acabou por aceitá-lo por ser “penteado de tia”. E por aí, além do vestido, seguiu também o estilo de tia na bolsa, nos óculos, no timbre de voz, meio nasalada, que no proceder não deixava de soar carinhoso.

            Sem causar espanto, outro cenário se formava: aparecia barulho de jovens nas mesas ao lado. Daí a minutos um silêncio de revezamento substituía a algazarra. E o bate papo, tocado a chope, ia-se estendendo no avançado das horas.

            Até que hora de ir embora, dera início aquela sessão de grude por parte dela:

- Você vai ficar onde?

- Vou de táxi – disse.

- Ótimo, a gente pode dividir um táxi?

O que pretendia essa tia maluca? A resposta ela deixava na sugestão que  imediatamente apresentou:

- Você me deixa por aqui mesmo na orla e pode seguir.

A caminho do estacionamento não havia espaço para ponderações, de forma que num ímpeto estavam bem abancados com vento de janela batendo no rosto, suavizando o calor, como dois namorados, pela orla, em ajuste de tempo atrasado. Mas logo iria colocar um fim naquilo, cada qual tomaria seu destino. Estava aguardando resultado da apreciação do tribunal. Ah, estava liberado, na verdade, podia mais – pensou e deu aprofundado afago na “tia” perfumada.

- Vamos numa comida chinesa ali – apontou um shopping na avenida.

De mãos dadas, em cenas de namorados, puseram-se rumo ao majestoso prédio. Sobre o ocorrido entre eles nada se dizia. Era um encontro de desembocados desejos, de segundas intenções. Era uma troca de presentes e agrados. Quando estavam se sentindo assim no paraíso, ninguém conhecido para arrastar a pessoa para a realidade, eis que Beto avistou um vizinho de infância.  Quebrado o encanto? Que nada, foi até lá cumprimentá-lo com a naturalidade que exalava da “tia”. A pressa com que andava o amigo foi o socorro de Beto, que até já tinha elaborada resposta a possível pergunta.

Para acalmar a fervura, chegou a falar com a “tia” em pegar um motel de saída e finalizar aquele encontro com chave de ouro, que ele estava aguardando uma decisão importante do tribunal.

Ela falava muito num tal Carlos Eduardo ou Paulo César. Ora compreensivo, liberal, ora ciumento, machista. Comentários de leve sobre problemas conjugais. No final, não se sabia tratar de marido ou de amigo íntimo dela.

Foi “tia” também no leito, no cuidado com o parceiro, no uso de calcinha tradicional, peça de soutien comum, aliás tudo sem segredo ou novidades do modismo de lojas, mas havia certo exagero no grude em querer servir. E lá vinha caso do compreensivo ou machista Carlos Eduardo ou Paulo César.

Fazia muito tempo que Beto vira tanto pelo em volta do monte de Vênus. Reacendeu clima de adolescência. Achou de bom tom utilizar os dedos para afastar a “moita” que se formara na região alvejada. Não se falou em hora nem podia, que o casal Romeu e Julieta revisitado dormia, sem preocupações.

Despertava mais cedo quando sentiu atracado pela “tia”. Parecia que o mundo acabava. Era o grude:

- Você vai para onde, Beto?

Beto viu o monte de Vênus e quis utilizar os dedos pela derradeira vez. Então voltaram para arrematar e dar por encerrado o ato no. 03. Mais que ligeiro, Beto se recompôs rumo aos seus, quando ouviu a “tia” choramingar, que ficasse mais um tempinho, que estava cedo, que todo mundo dormia ainda, como se ela não tivesse para onde ir.

Pois a “tia”, nessa peleja de grude, acompanhou-o até o edifício, onde ele se arrumaria para viagem de volta:

- Pare aqui! – Beto conseguiu se desgrudar da companheira.

 E o táxi seguiu em frente com ela no seu penteado de “tia”, com seu vestido amarelo e dona de uma gruta onde Beto buscou abrigo por duas vezes.

 

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