sábado, 27 de abril de 2024

Cibele

 

 

 

Enquanto toda cidade se juntava em festa na praça, Beto encontrava jeito numa solidão a dois, num recanto de arvores, macetando a garota Cibele. Solidão a dois não, a três. Num momento de pausa, notou que alguém de costas fazia xixi tranquilamente e girava o pescoço de lado para uma espiadela. Mera curiosidade, calculou Beto.  Senão seria caso de bomba com efeitos mais duradouros que a que soltaram em Hiroshima:

- Beto foi visto num escurinho com uma garota,  uma que trabalha..

Quem descobriria essa ninfeta se abrindo assim, como uma pequena deusa em pelo afro de veludo, de recônditas essências se exalando a cada amasso ágil dos braços de Beto? Ele sorria ao frescor do vento noturno, tentando levar de volta para casa a garota. E caminhavam para o carro acochados num abraço. Tiveram que passar por seu Neco e passaram mais enroscados ainda, com saudação de cabeça, quase implorando,  que seu Neco não iria comentar. Não seria doido. O mundo viria abaixo: adeus Beto, adeus Cibele. Expulsos do paraíso.

Resolveram então entrar ali na rua,  num dos barzinhos sem jeito de gente. Nem sonhando, batia na madeira. Veio o pensamento. O paraíso, para Beto, era aquela início de vida burguesa. Começo de profissão, trabalhando com o pai no comércio. E Cibele, marcada pela sociedade, tendo que se retirar para longe para ainda se iniciar e impor-se como mulher. Não tinha um papo propriamente. Parecia se entender por entrosamento dos instintos. mas era hora de se falar, de até gritar por socorro, pedir desculpas, não de forma silenciosa mas sonorizada até, que importasse... o ridículo? Não podia o bom senso recomendar bom senso. Uma vez na vida... a loucura...

-  Você parece envergonhado e isso é normal. Você, na sua posição... – calou.

Lábios grossos, ela se aproximou mais de Beto como que ordenando que a beijasse. Cumpriu a ordem. Ela retribuiu vibrante aquiescência com um afago prolongado.  Cibele despertou com um bocejo e, esfregando as vistas, falou com cara de sono:

- Pede mais uma, Beto, e vamos ficar aqui até final do evento na praça.

- Olhe que você tem que olhar menino na casa de Dalila – lembrou Beto, cauteloso.

Disse que era seu dia de folga. Dando de ombros, Beto pediu a cerveja:

- A saideira.

      Mas logo teve que encarar seu Nelson entrando no bar. Em solidariedade, também numa possível situação de complacência futura, contava que ele, maduro, guardasse aquele segredo... de macho.

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