domingo, 9 de junho de 2024

 Meire

 

A chegada na Escola de uma nova colega, de outro Estado, traria novidades que poderiam alterar comportamentos?

 

            - A aluna nova é  carioca – alguém anuncou no meio da turma do curso de Letras da UCSal.

Edu olhou em direção à garota e clicou uma universitária magrinha de cabelo curto, estilo moleque, ágil, de muitos gestos.  Ela quis ver seu poema, deu palpites e mostrou-se engajada.

Semelhava macho, até que, ao cabo de algumas horas, Edu deu um beijo no moleque que pareceu menina querendo voar, com rostinho branco entre suas mãos. Brancura com nuance de novidade em meio ao padrão de predomínio afro local.

- Fale carioca, fale! – uma turminha de colegas gritava. 

- Eu já disse, cara, que sou fluminense.

- E eu sou Vasco da Gama. Muito prazer – disse Edu brincando para ela ter que se explicar, mais uma vez, que não nascera na cidade do Rio de Janeiro mas que era do Estado.

- Você tem um estilo de quem está sempre andando, sem se firmar, mochila às costas e etc. – eu disse.

Aceso o papo, foram descendo as escadas à procura de uma lanchonete.    Rolava baixinho Nos bailes da vida, sucesso de Milton Nascimento. E ela carregava no vestuário trejeito de universitária descuidada,  mas era de descontraída linguagem, que encantava a todos.

- Você sugeriu a questão de diferença de classe no verso?

- Não é diferença de classe; é que você deu um sentido negativo ao colocar a palavra “tarde”; de desesperança – argumentou a estudante com todo charme de sotaque.

- Aí vai da interpretação do leitor. Mas vamos tomar uma! – disse Edu para começar a cervejada.

Não era todo dia de uma garota cabeça. Enquanto regava o papo com cerveja, ela tentava se explicar:

- Vamos aos versos: È sempre triste a tarde/principalmente quando é tarde/ e os anseios ainda ardem/distantes. Você tem a palavra “tarde” que envolve dois sentidos. Prevalece aí a esperança no vocábulo “ainda”, Mas aparece com a mesma tinta de inutilidade. E eu entendo que precisamos de força. Momento de Renovação,  Você sacou, como se diz.

- Dá gosto conversar com você, Meire. A gente discute, isso é bom.

Edu descobriu que o debate descambaria para o engajamento e deu de procurar saber do seu Rio de Janeiro agora com o novo governo.

-  Educação. Nunca vi coisa igual. Torci por |Brizola –  disse Edu.

- E eu não só torci por Brizola como votei no cara – ela replicou, incisiva.

E discorreu maravilhas de uma nova era, na educação, coisa de primeiro mundo,  Falava com tanto fulgor nas palavras que um quadro se esboçava em mensagens de um futuro trazido à luz da realidade, com crianças em ginásio de esporte, piscinas, médicos, restaurantes e bibliotecas. Fez um apanhado geral da campanha política e do início de administração.

Mas enquanto usufruíam as horas democráticas com Meire, notava Edu umas pontas de beleza afro vindo em sua direção. De prévio entendimento, o que e o levava  à dúvida. Meire, inteligente, levantou-se mais que ligeiro e, na sua magreza e gesticulações, saiu-se jogando beijinhos:

- Depois a gente fala mais. Tchau.

Meire era a cara desses novos ares de abertura política no Brasil.



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