sábado, 4 de maio de 2013

O Camelô da Baixa dos Sapateiros



O Camelô da Baixa dos Sapateiros


Alguém já disse ou então colhi de algumas das minhas leituras aqui e ali (que ainda considero poucas e fico com a consciência pesada por causa disso) que apesar do transcorrer do tempo, mudança dos personagens, do espaço, a ação e o enredo sempre trazem em linhas gerais aspectos já experimentados em outras eras por outros e em outras paragens.

Assim é que, podemos dizer, Otávio era uma espécie de Chefe da Guarda Pretoriana da casa de meus pais, políticos, em cidade pequena do sertão da Bahia, etc. E não é que minha mãe, mania de costureira, achou de fazer um uniformezinho verde para ele? Primeiro problema: a molecada passou a apelidá-lo de “Tenente”. Mas até aí o “Tenente” Otávio não se importou porque acabou recebendo aquilo como sinal de respeito e homenagem pela importância que agora assumira perante a comunidade. Ele, que tinha vindo lá da roça.

Isso não ia andar direito, conjecturei. Tinha concluído meu curso na Capital e chegado ali “doutor” em meio a uma fogueira. Minha mãe liga:

-  Corre aqui.

O “Tenente” Otávio queria porque queria furar de faca o candidato da oposição, no que foi dissuadido com muita dificuldade por minha mãe. Motivo: o candidato tinha falado na rua que eu não era doutor de verdade e que meu pai havia comprado o diploma em Salvador. Aquilo para Otávio era o fim do mundo. Quando minha mãe explicou que era mentira, coisa de adversário, para Otávio só a morte para lavar a honra, e ficou chorando porque foi contido no seu ímpeto de vingança.

Fico agora pensando o quanto se dava valor ao diploma. Sabia-se representar a coroação do esforço em busca de conhecimento. Hoje, do jeito que as coisas andam, certo de que conhecimento não se compra mas papel sim, não sei se ninguém faria as vezes do “Tenente” Otávio. Aliás, os “tenentes otávios” estão aí também a comprar patentes mais elevadas. O país vive a sua fase de Revolução Industrial... no setor de diplomas, certificados de conclusão de cursos, monografias, etc. Quer dizer, o dinheiro pode tudo, mas nesse caso específico deixa de ter lastro, que a ciranda do blefe impede que se descubra, e assim “caminha a humanidade”, como estamos vendo.

Lembro que no final dos anos 70, quando estudava em Salvador, o jornal fazia uma denúncia sobre a venda de diplomas para melhorar o currículo do trabalhador em busca de emprego melhor. Assim é que a polícia passou a agir com rigor, pois, segundo se fazia resenha na cidade, até camelô estava vendendo diplomas. Mas calma aí, não era como agora; coisa de conclusão do primário e do ginásio apenas. Era chique se dizer que fulano de tal tinha o ginasial completo. O segundo grau então era um sonho. E olhe que o ginasial daquela época, comparando, era um doutorado perto do segundo grau que existe por aí.

Seu Deolindo era um vendedor já de idade. Seu ponto era na Baixa dos Sapateiros. Sempre que por ali passava parava para curtir o seu modo de anunciar os produtos, geralmente com novidades do momento. Em meio a toda a pressão que estava havendo, não é que Seu Deolindo num daqueles dias acabou sendo preso com produtos e tudo levado pela polícia! Só fomos entender depois e a polícia também. O coitado estava vendendo uns diplomas bonitos, com letras bem desenhadas artisticamente, para que fossem emoldurados, mas oh! que confusão -  eram só uns diplomas desses do dia das mães, que seriam outorgados pelos filhos em sua homenagem.




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