O
Camelô da Baixa dos Sapateiros
Alguém
já disse ou então colhi de algumas das minhas leituras aqui e ali (que ainda
considero poucas e fico com a consciência pesada por causa disso) que apesar do
transcorrer do tempo, mudança dos personagens, do espaço, a ação e o enredo
sempre trazem em linhas gerais aspectos já experimentados em outras eras por
outros e em outras paragens.
Assim
é que, podemos dizer, Otávio era uma espécie de Chefe da Guarda Pretoriana da
casa de meus pais, políticos, em cidade pequena do sertão da Bahia, etc. E não
é que minha mãe, mania de costureira, achou de fazer um uniformezinho verde
para ele? Primeiro problema: a molecada passou a apelidá-lo de “Tenente”. Mas
até aí o “Tenente” Otávio não se importou porque acabou recebendo aquilo como
sinal de respeito e homenagem pela importância que agora assumira perante a
comunidade. Ele, que tinha vindo lá da roça.
Isso
não ia andar direito, conjecturei. Tinha concluído meu curso na Capital e
chegado ali “doutor” em meio a uma fogueira. Minha mãe liga:
- Corre
aqui.
O
“Tenente” Otávio queria porque queria furar de faca o candidato da oposição, no
que foi dissuadido com muita dificuldade por minha mãe. Motivo: o candidato
tinha falado na rua que eu não era doutor de verdade e que meu pai havia
comprado o diploma em Salvador. Aquilo para Otávio era o fim do mundo. Quando
minha mãe explicou que era mentira, coisa de adversário, para Otávio só a morte
para lavar a honra, e ficou chorando porque foi contido no seu ímpeto de
vingança.
Fico
agora pensando o quanto se dava valor ao diploma. Sabia-se representar a
coroação do esforço em busca de conhecimento. Hoje, do jeito que as coisas
andam, certo de que conhecimento não se compra mas papel sim, não sei se
ninguém faria as vezes do “Tenente” Otávio. Aliás, os “tenentes otávios” estão
aí também a comprar patentes mais elevadas. O país vive a sua fase de Revolução
Industrial... no setor de diplomas, certificados de conclusão de cursos,
monografias, etc. Quer dizer, o dinheiro pode tudo, mas nesse caso específico
deixa de ter lastro, que a ciranda do blefe impede que se descubra, e assim
“caminha a humanidade”, como estamos vendo.
Lembro
que no final dos anos 70, quando estudava em Salvador, o jornal fazia uma
denúncia sobre a venda de diplomas para melhorar o currículo do trabalhador em
busca de emprego melhor. Assim é que a polícia passou a agir com rigor, pois,
segundo se fazia resenha na cidade, até camelô estava vendendo diplomas. Mas
calma aí, não era como agora; coisa de conclusão do primário e do ginásio
apenas. Era chique se dizer que fulano de tal tinha o ginasial completo. O
segundo grau então era um sonho. E olhe que o ginasial daquela época,
comparando, era um doutorado perto do segundo grau que existe por aí.
Seu
Deolindo era um vendedor já de idade. Seu ponto era na Baixa dos Sapateiros.
Sempre que por ali passava parava para curtir o seu modo de anunciar os
produtos, geralmente com novidades do momento. Em meio a toda a pressão que
estava havendo, não é que Seu Deolindo num daqueles dias acabou sendo preso com
produtos e tudo levado pela polícia! Só fomos entender depois e a polícia
também. O coitado estava vendendo uns diplomas bonitos, com letras bem
desenhadas artisticamente, para que fossem emoldurados, mas oh! que confusão - eram
só uns diplomas desses do dia das mães, que seriam outorgados pelos filhos em
sua homenagem.
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