segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Criancices

 1 -  Fazer negócio

Dei uma derradeira olhada nas lameirinhas dela, que era um colosso... de madeira, carroceria pintada de verde, todo transadinho, o caminhãozinho de brinquedo, que me encantava.

- Você não quer trocar numa casinha não... bacana, que fiz no quintal perto do  pé de coqueiro?

- E cadê? perguntava o menino filho do carpinteiro.

-  Lá em casa, mas você pode ir lá visitar a qualquer hora.

A casinha em questão era o que tinha de maior valor...  inestimável. Sem mais detalhes.

- Aí, fica ruim.

 - Então é quanto a mercedinha?

- Cr$ 500,00.

Dinheiro para gente grande! Tinha que entregar no quente Cr$ 250,00, que pai pegaria na gaveta da loja de tecidos, ali na praça do Mercado, ao modo de negócio:

- Quinhentos é muito alto. Tome, dê a ele esse dinheiro, que é uma boa entrada de negócio.

Assuntando nas lameirinhas da mercedinha, saí empurrando a novidade pela praça. E isso entre 1968 e 1969.

2 – Apreciando a beleza de BH-MG e contando vantagem:
- Eu tenho uma moto lá na Bahia.
- Verdade? Você roda com ela assim no asfalto? perguntou um menino de minha idade.
Tinha  acabado de tirar as rodinhas que ficavam de lado.
3 – Cozinhadinha
Acompanhava as cozinhadinhas que minha Irmã mais velha fazia. É que ela em vez de fazer de conta ela fazia de verdade o feijão, o arroz, cortadinhos, em panelas pequenas, com cheiro de fumaça. E na hora do presente, a gente dava uma boneca velha (dela mesma) embrulhada com papel bonito (aprendi com Ereca).
4 – Roupas de sair
Ao brincar de artista na casa de um colega, ele fantasiava com roupas de verdade (de sair);
5 – Segredo
Falou em lhe dar e que podia escolher o local escrevendo com o dedo indicador sobre a farinha de trigo polvilhada na maceira da Cozinha.
Escreveu: -  No “corredorzinho” (que havia lá entre a casa dela e o muro vizinho). 
- Na cama, seu bobo, acrescentou ela embaixo com sua letra bonita.
6 – Faltou força, Mocó
 Em mudança para cidade aprende logo só o que não presta. Mocó botava tanta força no taco ao Jogar sinuca, que a bola caía de tonta. Um dia ele precisava matar a bola sete. Deu com força, que a bola, após correr várias tabelas, veio pra o meio e parou perto da caçapa, rodopiando.
 - Diacho, faltou força!
7 – Tamanho GG
José, menino mais velho, Zé de Fausto, veterano na guerra (de meninos), tirou do bolso um nota amarelinha de mil cruzeiros e falou:

 - Vai lá na venda e compre tudo de bala de leite. Tome aqui esse chapéu e traga cheiinho.

 Podia comprar só uns duzentos, que já eram uma quantia grande e trazer o resto de troco.
 - Não. Comprar todinho.
No seu estilo: GG.
8 – Letra de formiga
 Letra de formiga. Parecia que em vez de usar pena, usava uma casca de arroz para escrever. Claudinha, até bonitinha, cabelo liso, de seda. Parecia economizar papel. A gente olhava com gosto  as anotações no seu caderno do assunto dado em sala  de aula. Era o contrário de um coleguinha de infância, hoje doutor Zander, que para escrever era um letra de elefante.
9 -  Um terreno rural
Deu a notícia ao sogro com entusiasmo, que comprara um fazendinha. A conversa que pairava era de um terreno de uns dois mil hectares. Eram dois hectares apenas, que produziu dois sacos de feijão.
10 – Passar no vestibular
Vestibular concorrendo para o curso de Letras (considerado sem muita concorrência), a gente ia olhar o resultado na parede e começava de baixo para cima, até que correu o dedo por maior e não achou. Ia embora, desencantado da vida, até que...
 -  Fez para que curso, Nei?
-  Letras Vernáculas.
- Corra aqui. Meus Parabéns, Nei. 2º lugar. Português 100%; Redação: 97%.
11 – Duas meninas e um careta
Era ligadona em mim. Escrevia meu nome na altura da coxa. Que menino não ia querer? Eu. Era areia demais pro meu caminhão. A gente passava na frente da casa dela para ir jogar bola, quando algum menino mais abelhudo olhava e gritava meu nome:
  - Corra aqui, cara, venha ver seu nome.
 Ficava envergonhado e caia fora. Pegava depois as “reportagens” dos colegas: Estava escrito na coxa, fora a fora, Nei George.

 Era bonita e tiradinha. No ensaio de quadrilha ficava amuada, enquanto não me colocavam como seu parceiro. 

 Fazíamos roupas do mesmo pano. Trocávamos presentes. Mas era areia demais para o meu caminhãozinho. Achava. Quando foi um dia o irmão veio me trazer recado de namoro com ela e eu disse que preferia a mais nova, que era menos interessante e ninguém cobiçava.