- Pequenininha
bonita, cara!
Pronto, era para
ficar apenas por aí, não fosse a força e o orgulho que gozava a turma
considerada de elite do Estado.
- Sofri feito o
cão, mas passei – desabafou um maduro e manco professor de sotaque nordestino.
- De quem é esse
cordel? – Edu perguntou ao ver a folhetagem que então circulava pelo prédio da
universidade, que sediava o evento de treinamento de concursados.
- De Chico Leite,
da turma de Educação Física – respondeu o claudicante professor,
Edu conhecia esse
esquema desde a época da Ditadura. Aproveitava-se a aglomeração e soltava os
versos, como menestrel. Mas ali, já relaxados, os candidatos aprovados se
dividiam em turmas. Nesse clima, ele entrava e ia-se infiltrando com
facilidade. Podiam vir com montanhas de
problemas, que Edu fazia e acontecia com pose de quem, ao tempo, chupava
laranja ou mascava chiclete. Assim, não encontrou dificuldade em conseguir
figurar como membro da equipe de uma Pequenininha, de gostos concatenados.
- Proteção? –
gritou algum observador.
- Recíproca proteção
intelectual – disse Edu, encostando sua carteira com um sorriso. – Boto fé nessa
rapaziada – arrematou.
Apresentações
realizadas, iriam discutir o arcadismo com Edu no papel de Dirceu e
Pequenininha no de Marília, numa livre adaptação da peça que parodiava O
Titanic, filme que estava em cartaz. Isso tudo na base de improvisação e
correria. Terminada de escrever uma peça, a várias mãos, parte do trabalho,
montaram-na, sob orientação de uma das integrantes, que posava de diretora
teatral, autorizada por ter assistido ao filme umas três vezes.
Edu, que estava
encantado com a atriz, mais encantado ficou na hora de declamar para Marília
encima da mesa da sala improvisada de navio, quando foi derrubado ao chão por provocação
da diretora:
- Você tem que
cair, Dirceu!
E aí que a cena se
tornou encoberto de magia, com final em aplauso, parecendo extensivo aos versos
bem articulados por Edu:
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro
Que viva de guardar alheio gado...
Nessa hora estendia os braços nos de Pequenininha e sentia-se como Tomás Antônio Gonzaga, poeta quarentão, com
Marília nos seus 15 anos. Viagem no tempo! – pensou. Mas quando foi sacudido
para cair, com o balanço do navio, viu transformar-se em Jack ao lado de Rose,
do filme.
À
noite, haveria uma confraternização dos concursados no hotel em que Edu estava
hospedado. Pequenininha e suas companheiras não compareceriam, por isso tivera que,
num gasto de papo com karaokê, reservar-se para o dia seguinte, quando haveria
de se despedir não com o costumeiro beijinho mas com os arroubos ditados pelo
fogo maduro da idade.
A turminha, como torcida, esperava a despedida do casal, com gran finale. Valeu mesmo, porque o que se verificou foi um beijo de nunca mais “a gente vai se ver”, a la Jack e Rose, para encerrar aquele momento com chave de ouro.